Sunday, January 13, 2013

Nossos diálogos politicamente incorretos


PRELÚDIO

Hoje na famosa rede social muito usada por todos eu li o seguinte:

Menina X (ao comentar uma foto do Menino Y): Mas é mesmo uma bixona! 
Menino Y (respondendo ao comentário da Menina X): ... que já te fudeu!

Uma brincadeira de amigos, você diria. Concordo. Sem má intenção alguma. Concordo plenamente.
Mas mesmo assim tem algo que me incomoda.


NOSSOS DIÁLOGOS POLITICAMENTE INCORRETOS


Eu não sou um grande fã do termo "politicamente correto". Primeiro, porque ele é extramente subjetivo. Segundo, porque ele obedece aos interesses dos seus doutrinadores (i.e., daqueles que lutam pelos tais valores politicamente corretos). Terceiro, porque eu considero os politicamente corretos extremamente incorretos quando se olha para a maneira como os tais corretos respeitam e dialogam com pensamentos contrários aos seus.

Mas, mesmo a contra gosto, com uma coisa eu tenho que concordar com os "politicamente corretos": a maneira como nos expressamos reflete sim os valores arraigados na nossa cultura, formação, educação, criação. 

Acho que cada um tem o direito de se expressar como bem queira, especialmente quando existe um ambiente de respeito, quando se dialoga/brinca entre amigos. Mas, da mesmo forma eu tenho o direito de interpretar os valores sendo difundidos nesses mesmos diálogos que demonstram liberdade de expressão.

Nessas duas frases têm duas coisas que me saltam aos olhos e me incomodam.

Primeiro, a referência de que alguém é homossexual é feita para inferiorizar e ridicularizar. No caso da situação acima, é só uma provocação/brincadeira, levando em consideração que a pessoa em questão é heterossexual.

Mas a mesma brincadeira sem maldade denuncia a consideração / o sentimento que "ser homossexual" traz algo de inferior consigo.  

Me entenda bem. O problema não é a brincadeira em sim, mas de onde ela vem / como ela surge / no que ela se baseia.

Conversando com um amigo heterossexual que já foi por algumas vezes questionado se era gay, pude perceber um certo incômodo da parte dele com relação a essa suspeita. O sentimento é perfeitamente compreensível se você parte do pressuposto que ser confundido com gay poderia trazer questionamentos sobre a sua real preferência sexual e diminuir suas chances com o sexo oposto. Mas, a explicação dada por esse meu amigo é que ele sentia a sua masculinidade ser diminuída com aquela suspeita. Como se um homem homossexual fosse menos homem que um heterossexual. E que sendo assim, isso traz um sentimento de diminuição de valor.

Isso nos leva ao segundo ponto. O ser viril/masculino é algo que, no pensamento vigente, valoriza uma pessoa. Desse ponto de vista, o ser feminino/mulher sofre de uma certa desvalorização. 

Do diálogo mencionado no começo do texto, o que está implícito é que o fato de um homem penetrar a vagina de uma mulher a coloca numa situação inferior a ele. Afinal, ele "a fudeu". Ele tem o troféu. Ela "foi fudida". Nem sei o que ela tem, se eu seguir esse raciocínio corrente e machista. 

Isso me faz lembrar de uma outra história que ouvi de um amigo meu que disse que depois de dois homens terem feito sexo, um deles, na tentativa de denegrir a imagem do outro (depois de um desentendimento) disse: "Eu fudi Z, e ele se portou como uma mulher". Ou seja, a conjugação "eu fudi" atribui valor ao sujeito, ao mesmo tempo que a palavra mulher assume uma semântica negativa na frase, como uma tentativa de humilhação.  

Embora esse comentário tenha sido feito de uma maneira desrespeitosa, o que não me parece ser o caso, à primeira vista, do diálogo reproduzido no começo do texto, as duas situações apontam para os mesmos pontos problemáticos dos pensamentos/sentimentos vigentes em nossa sociedade.

Repito. O problema não são os diálogos em si. Desde que haja respeito e valorização da dignidade do outro, acho que deveríamos ser muito mais francos e verdadeiros em nossos diálogos. Não acho que a solução é tornar cada cidadão num ser hipócrita que sabe usar as palavras corretas para fazer média, e parecer "politicamente correto".

O que eu estou enfatizando aqui é que nossos diálogos trazem denúncias consigo. Denúncias essas que merecem nossa atenção, porque elas apontam para coisas que estão muito mais profundas e aconchegadas na nossa sociedade. 


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