Sunday, July 24, 2011

O dia em que eu enganei Afrodite



Como já diria um poeta

Mundo velho e decadente mundo
Ainda não aprendeu a admirar a beleza”

E não, não aprendeu mesmo,

não, não aprendeu ainda


O outro poeta retrucaria

“As feias que me desculpem,

mas a beleza é fundamental”

Mas que beleza?

A verdadeira ou aquela que a gente quer comer?


Talvez a verdade seja mesmo que

“quem ama o feio, bonito lhe parece”

como a sabedoria popular de algum popular bradaria.

Mas divagará mesmo o amante sobre isso

enquanto suspira na espera pelo seu ser amado?


Até quando a deusa da beleza irá nos aprisionar?

Até quando trabalharemos para ela e

aceitaremos os seus palpites apetitosos?

Até quando seus palpites com entrada, prato, vinho e sobremesa

e com aceno do garçom na saída?


Ontem eu saí para espiar o mundo

por descuido esqueci de avisar para onde ia

Nem mesmo me dei o trabalho de me avisar

E no meu descuido sonolento tropecei e mergulhei

no suspiro dos apaixonados


Passeando também ali a verdadeira beleza,

imperfeita e tão bonita, tão verdadeira

Tão azul, tão forte, tão espontânea

tão honesta, doce e inocente

tão diferente, tão interessante


Tão bonita na sua falta da extrema beleza,

e ainda bonita na sua presença de beleza

Mas também tão distraída em sua dança pelo mundo


Veio e se foi, não se apresentou, não se despediu

Sem ao menos acenar para mim,

passou, nem me notou, me encantou

Me libertou


Com certa tristeza nos olhos e um estranho sorriso nos lábios

voltei desapercibidamente do meu passeio pelo mundo

E dormi, suspirei, sonhei, debochei

no dia em que enganei Afrodite.


Du (Leuven, 24 de julho de 2011)


Friday, July 01, 2011

A chegada de uma nova estação estudantil


Se tem uma coisa que me impressiona na vida estudantil belga é como cada etapa do ano letivo é bem demarcada. Há tempo para tudo na vida dos estudantes belgas; e cada etapa ou atividade tem o seu período certo e devido. Tudo isso garantido com precisão, é claro, pela agenda sempre a tiracolo de um bom belga.


Mas o que me chama a atenção em tudo isso não é a existência das “estações estudantis” em si, mas a intensidade em que elas são vividas. Por exemplo, os estudantes acabaram de passar por duas etapas bem estressantes: o “bloco” e os exames.


O bloco (traduzindo literalmente do holandês para o português) dura duas semanas e é etapa que precede os exames. Nesse período não há mais aulas e o objetivo é que os estudantes possam acabar de se preparar para os exames. Durante o bloco, uma cidade estudantil como Leuven presencia um progressivo desaparecimento dos estudantes das ruas, bares, praças e parques. É tempo de estudar pesado. Nesse momento não é mais “pecado” ser caxias, bitolado e anti-social.


Mas o nível de stress atinge mesmo o seu pico durante os exames. Durante três semanas todos os estudantes passam a maior parte do tempo ou estudando, ou fazendo exames, ou falando a respeito dos estudos e dos exames. Calendários coletivos são organizados entre amigos, de modo que todos saibam quais exames cada um tem e em quais dias eles caiem. E as conversas sempre giram em torno de como foram os exames já realizados e quantos exames ainda restam até o final.


Mas depois do temporal sempre vem a bonança. E durante a semana passada, um por um, os estudantes de Leuven começaram a aderir o anúncio coletivo do final dos exames e início das férias de verão, a medida que seus calendários de provas se encerravam. E o anúncio, como sempre, vem no seu melhor estilo: evidente, claro e intenso.


Embalados pelo clima mais quente e pelos dias longos, roupas ao estilo “estamos de férias e queremos aproveitar esse tempo” ganham mais uma vez a oportunidade de passear pelas ruas. Amigos e namorados passam horas nos gramados, aproveitando o bom tempo para por o papo e o “bronzeado” em dia, antes de partir de férias. As estações de trem ficam cheias de “jovens mochileiros”, que começam as suas viagens de férias, ou que se encaminham para os famosos festivais de música, munidos de suas barracas e rostos cheios de animação e disposição. É tempo de férias.


Só de ver toda essa animação meu peito já começa a saltar, e penso que gostaria de partir de férias com bons amigos. Mas, enquanto aguardo pelas minhas férias, que ainda vão demorar um pouquinho, sigo animado com a animação dos estudantes aqui e sua maneira tão intensa de comunicar que também há tempo para se aproveitar a vida.


Du

Bruxelas, 01 de julho de 2011


(Foto: Fonske - estátua construída em 1975 para comemorar o aniversario de 550 anos da universidade KULeuven. A estátua representa um estudante que, através da leitura do seu livro, adquire sabedoria, representada pela água que jorra para dentro de sua cabeça.)

Monday, June 27, 2011


A dessintonia nossa de cada dia


Hoje de manhã li uma citação de um autor cristão que me inspirou muito durante um período de minha vida e cujas reflexões se tornaram um precioso combustível para minhas próprias reflexões, questionamentos e crescimento pessoal. Cheguei a me comover várias vezes com as suas palavras, e possivelmente derramei muitas lágrimas sobre as páginas de alguns dos seus livros. Mas hoje, aquelas mesmas palavras soaram como “mais do mesmo”, sem muitas novidades. Não que a citação não soasse relevante ou significativa. Mas ela soou simplesmente como a resposta para uma pergunta que eu não estou (no momento / não mais) procurando responder. Por outro lado, tenho certeza de que a citação faz todo sentido, pelo menos no momento, para a pessoa que me trouxe em contato com a tal citação.


O fato é que em nossas trajetórias pessoais nos deparamos com diferentes questões, que podem ou não se repetir na vida daqueles ao nosso redor, na mesma ordem ou simplesmente em outra completamente distinta. E em meio as nossas perguntas atuais, levando em considerações as respostas que consideramos ter obtidos para perguntas do passado, nem sempre é tão simples conseguir lidar, entender e escutar as questões e respostas que o outro possa ter.


Quando vemos pessoas lidando com questões que já lidamos no passado caímos na tentação de olhar para a pessoa e pensar: “Pobre você! Ainda lidando com essas questões tão pequenas, enquanto eu já estou num novo estado de maturidade!”. Ou então, quando alguém lida com questões que nunca passaram pela nossa cabeça, muitas vezes nem se quer nos damos ao trabalho de tentar entender a pergunta da pessoa, e muito menos o contexto em que a pergunta surgiu. É como se houvesse uma grande dissintonia entre nossas agendas. Na verdade, fazendo referência ao nome deste blog, permanecemos dessintonizados das frequências um dos outros.


Seguindo essa linha de raciocínio, posso entender melhor por quê percebo um abismo tão grande entre cristãos e não cristãos aqui na Bélgica, por exemplo. Uma situação que, segunda minha leitura, é marcada pela falta de diálogo para lidar com questões como sexo, aborto, relação entre ciência e fé, etc. Ou, para dar um exemplo no Brasil, posso imaginar por quê a discussão a respeito do projeto de lei que criminaliza a homofobia siga tão truncada em nosso país. O fato é que temos uma dificuldade imensa em lidar com a agenda do outro, quando estamos tão focados em nossas próprias agendas. Temos dificuldades em tentar entender o outro. E o mais problemático: temos problemas em conversar e discordar – nessa ordem. Preferimos discordar e não conversar. Ou, o que eu considero tão ruim quanto, permanecemos num estado de apatia.


Não é sempre conversando que nos entendemos. Mas é num diálogo sincero e honesto que aprendemos a respeitar um ao outro – cada qual com as suas próprias agendas e perguntas.




Du
Leuven, 27 de junho de 2011

Wednesday, June 22, 2011

Foto de hoje - 22 de junho de 2011


Link

Quando eu li a reportagem me deu um aperto no peito. É que na verdade eu sinto que eu pertenço a essa gente. Não no sentido heroico de querer defendê-los e transformar suas vidas. Não no sentido de querer cuidar deles. Mas no único sentido de ser um deles; pertencer a eles.

Na verdade eles tem o que eu mais admiro, e o que eu mais sinto falta: simplicidade e humildade. Sinto tristeza pela sua pobreza, mas inveja da sua simplicidade.

"Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
(...)

E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar

(Gente humilde - Garoto, Chico Buarque e Vinicius de Moraes)




Monday, June 20, 2011

A quão pouco você entendeu a respeito de você mesmo.....



A evolução interna de todo ser humano, enquanto pessoa e ser relacional, é simplesmente algo fantástico. Em vários momentos da nossa vida nos vemos em situações que nos levam a um confronto pessoal, de idéias, valores e sentimentos. Em alguns casos, tais situações nos levam até mesmo a um confronto com as pessoas ao nosso redor, com o nosso ambiente, e, no caso dos mais ousados e valentes, a um confronto com o sistema vigente. Esse confronto, independente das proporções que ele tome, não deve ser entendido como algo necessariamente negativo. Pelo contrário, ele pode ser extremamente positivo quando ele traz oportunidades para o crescimento pessoal e amadurecimento de idéias.


Durante esse processo de amadurecimento/crescimento pessoal muito “movimentos” ocorrem no nosso interior. Um deles é que, geralmente, temos a impressão de que entendemos melhor o nosso passado, entendemos melhor quem fomos, entendemos melhor quem queremos ser, e entendemos melhor quem não queremos ser. E, em muitos casos, essa impressão é um sentimento legítimo, pois amadurecer passa por um processo de auto-descoberta e auto-conhecimento. Processo esse que nos convida a nos tornarmos mais livres para cuidarmos de nós mesmos e daqueles ao nosso redor; nos traz mais paz para sermos nós mesmos e aceitarmos um pouco mais o outro; e também nos traz um sentimento de orgulho, também legítimo, por conseguir enxergar a vida de uma maneira mais clara e sóbria.


Mas de repente um fator novo e desconhecido pode ser inserido em nossa vida. Algo que te aponta para uma direção desconhecida e nova. Algo que te mostra que a caminhada não acabou. Algo que te mostra o quão pouco você entendeu a respeito de você mesmo.


E por estar exatamente nesse momento difícil de tentar aceitar que eu tenha entendido tão pouco de mim mesmo é que estou escrevendo esse texto. Não porque eu me gabe disso; na verdade isso me dá raiva e inquietação. Tenho a impressão de que Deus está de brincadeira comigo, e já tive algumas discussões com Ele essa semana. Depois de caminhar tanto eu não quero ninguém me falando que eu tenha que tentar entender alguma coisa melhor. Principalmente quando se trata de um assunto que já me custou muita energia, e que eu considere (ou considerava) ter chegado a um nível em que eu já entenda o que precisava ser entendido a respeito daquele assunto.


Como eu vou baixar a minha guarda? Isso eu ainda estou tentando entender. Mas enquanto isso eu vou lendo, vendo e escutando coisas que vão alimentando as minhas reflexões, como o seguinte trecho do livro “Eat Pray Love” de Elizabeth Gilbert.


“You make some big grandiose decision about what you need to do, or who you need to be, and then circumstances arise that immediately reveal to you how little yo understood about yourself”. (Elizabeth Gilbert)


“Você faz uma grandiosa decisão a respeito do que você precisa fazer, ou de quem você precisa ser, e então circunstâncias surgem que imediatamente revelam o quão pouco você entendeu a respeito de você mesmo”. (Tradução livre)


E eu termino esse post com uma frase que eu ouvi de uma amiga minha: “essa vida é um mistério”. Algumas vezes é confortante pensar nessa frase, porque me dá uma sensação de conformismo com a minha ignorância a respeito dos mistérios desse universo. Mas algumas vezes, como agora, essa é a última coisa que eu gostaria de admitir.


Du

Leuven, 20 de junho de 2011

Sunday, June 12, 2011


Comer rezar e amar (Eat Pray Love)



Há três semanas eu estava no meu quarto, por volta das 21:00 da noite, e me veio a estranha pergunta: “o que eu vou fazer agora?”. Geralmente eu tenho em minha mente uma lista de coisas para fazer e sempre me falta tempo para fazer tudo o que eu quero. Portanto, quando eu tenho um tempo vago, eu já sei de imediato o que eu gostaria de fazer naquele tempo: ligar para minha família, mandar um e-mail que eu já deveria ter escrito há muito tempo, sair para um corrida ao redor do campus, ler um livro, assistir a um seriado, estudar francês, visitar um amigo, etc. Mas naquela noite, aparentemente, não havia nada na minha lista. E como naquela noite eu não estava disposto a praticar a arte de “não fazer nada, e se entreter com isso” ou a arte de “estar em solitude e refletir sobre a vida”, eu tinha que achar alguma coisa para eu fazer.


Sem titubear muito, recorri à minha saída corriqueira em momentos como esse: assistir a um dos zilhões de filmes armazenados no meu HD externo. É sempre uma aventura/indecisão escolher alguma coisa entre tantas opções, principalmente quando todos os filmes foram copiados de amigos e nem se tem a noção de quantos ou quais filmes estão ali armazenados. Encontrar o filme para assistir naquele momento é mais ou menos como entrar no quarto bagunçado de alguém para procurar alguma coisa. Mas, nada que um pouco de paciência e investigação não resolvam. Naquela noite, no entanto, a busca se revelou rápida. O título “Eat Pray Love” saltou ao meus olhos quase que de imediato. Como eu tinha a vaga lembrança de já ter ouvido falar desse filme, resolvi dá-lo uma chance.


Não vou comentar muito sobre o filme, pois odeio quando pessoas me contam detalhes de filmes que eu ainda não assisti. Mas, em linhas gerais, o filme conta a história de Elizabeth Gilbert (ou Liz, como ela é referida durante todo o filme), que depois de sofrer algumas desilusões na sua vida e passar por momentos muito difíceis, resolve tirar um ano de sua vida para viajar à três países (quatro meses em cada país), numa tentativa de encontrar a si mesma. Com um objetivo em mente para cada um dos países destino, Liz vai em busca de novas experiências e aprendizados, de modo a achar/retomar equilíbrio em sua vida. E o mais interessante de tudo isso é que o filme é baseado no livro autobiográfico de Gilbert, de mesmo título.


Durante as 2 horas e 13 minutos de filme, eu me senti totalmente mergulhado na história de Liz. É incrível quando você se encontra numa música, filme ou livro. É sempre uma experiência reveladora e inspiradora. E foi isso que aconteceu durante o filme; por muitas vezes eu podia sentir em minha pele as experiências vividas por Liz. Os ápices do meu contentamento com o filme vinham sempre quando havia alguma citação do livro, o que me fazia me identificar de forma muito especial com a personagem (real) da história. E eis a minha citação preferida, daquelas contidas no filme:


"I’ve come to believe that there exists in the universe something I call 'The Physics of The Quest'– a force of nature governed by laws as real as the laws gravity or momentum. And the rule of Quest Physics maybe goes like this: “If you are brave enough to leave behind everything familiar and comforting (which can be anything from your house to your bitter old resentments) and set out on a truth-seeking journey (either externally or internally), and if you are truly willing to regard everything that happens to you on that journey as a clue, and if you accept everyone you meet along the way as a teacher, and if you are prepared – most of all – to face (and forgive) some very difficult realities about yourself….then truth will not be withheld from you.” (Liz Gilbert)


Minha tradução para a citação:

Eu cheguei a conclusão que existe no universo algo que eu chamo “A Física da Busca” - uma força da natureza governada por leis tão reais quanto a lei da gravidade e a lei da quantidade de movimento linear. E a regra da Lei da Busca é mais ou menos assim: “Se você for valente o suficiente para deixar para trás tudo o que lhe é familiar e confortável (o que pode ser algo desde de sua casa até os seus ressentimentos amargos) e iniciar uma jornada de busca verdadeira (externamente ou internamente), e se você estiver realmente disposto a considerar tudo que acontecer com você durante essa jornada como uma pista, e se você aceitar a todos que você encontrar no caminho como professores, e se você estiver preparado – acima de tudo – a enfrentar (e perdoar) algumas difíceis realidades a respeito de você mesmo... então a verdade não será negada a você” (Tradução livre da citação do livro de Elizabeth Gilbert)


A razão de eu ter me identificado de maneira tão grande com o filme (especialmente com essa citação) e com o livro (o qual comprei e estou “devorando” no momento), é que a busca de Gilbert em muitos aspectos se assemelha à minha busca pessoal. O real motivo pelo qual eu deixei o Brasil, amigos e família, há três anos atrás, e vim fazer doutorado aqui na Bélgica, foi esse meu desejo interno, mais forte do que eu mesmo, de me entender, de entender o mundo ao meu redor, e entender o meu “eu” nesse “mundo ao meu redor”. Busca essa que parece bonita e poética quando descrita de maneira tão elegante por Gilbert (como na citação acima) – o que de fato é, mas que passa por momentos de desconforto, inquietações e muitas perguntas. Mas, sem muitas delongas nos aspectos positivos e negativos dessa busca, o que tenho a dizer é que ter iniciado essa jornada foi uma das melhores decisões que eu tomei na minha vida.


Na verdade todos nós estamos em jornadas pessoais; cada qual com as suas características e peculiaridades. E espero que vocês possam acompanhar parte da minha por meio deste blog.


Leuven, 12 de junho de 2011

Du

Wednesday, June 08, 2011


Recontando as origens


(Desenho utilizado no quadro "Senta que lá vem a história" do programa de TV "Rá-tim-bum", que passava na TV Cultura)


A história do nome deste blog remonta há 5 anos atrás, quando eu fazia o meu mestrado em São Carlos/SP. Naquela época ainda estava bem envolvido com o movimento estudantil cristão ABU – Aliança Bíblica Universitária (participação essa que foi responsável por anos memoráveis em minha vida e que me deu a oportunidade de conhecer e trabalhar com pessoas incríveis). Eu havia acabado de me mudar para São Carlos e trazia na minha bagagem toda a energia e entusiasmo da minha experiência com a ABU em Rio Claro/SP, onde me graduei em Ciências da Computação. Convicto de que minha participação na ABU não tinha se encerrado juntamente com a minha graduação, eu cheguei cheio de idéias no grupo de São Carlos.


É incrível como algumas idéias “pipocam” na minha cabeça quando eu estou entusiasmado. Algumas vezes, em um momento de pura inspiração ou completo devaneio, uma idéia aparece na minha mente. E acreditem, na minha mente minhas idéias sempre funcionam (o que na verdade deve ser algo óbvio a se dizer, pois talvez a maior parte das pessoas compartilhem desse sentimento). Posso ver como um filme a concretização da idéia e o seu bem sucedido desfecho. Fico então tão entusiasmado, que tenho certeza que tenho um plano genial. Mas de tão genial, ou de tão maluco, nem sempre consigo “vender” o tal plano às outras pessoas. E, para meu desapontamento, nem todos parecem tão entusiasmados com minha “idéia genial”.


E minha primeira “idéia genial” em São Carlos foi organizar um café da manhã para os estudantes (de graduação) do grupo. Mas não seria um café da manhã ordinário. Eu queria algo especial, que mostrasse carinho e apoio a esses estudantes tão novos, que davam seus primeiros passos no seu envolvimento com a ABU. Juntamente com uma amiga, também já graduada e também disposta a incentivar as atividades do grupo local de ABU, começamos os preparativos. Pedimos a algumas pessoas (também de um grupo cristão, mas composto pós-graduandos e pesquisadores) para enviar algo para o café da manhã (bolo, torta, etc) e uma mensagem de incentivo aos estudantes, na forma de uma carta, um cartão, ou simplesmente um bilhete. Como as mensagens viriam de pessoas mais velhas e que também tinham passado pela universidade como estudantes, a idéia era que eles conseguissem passar um pouco de ânimo e força para esses estudantes que estavam dispostos a encarar a difícil tarefa de falar da relevância da Bíblia no meio estudantil. Assim, segundo minha idéia, aqueles estudantes receberiam não somente um saboroso alimento para seus corpos, mas também alimento para o fortalecimento de suas almas. Genial, não?


Aparentemente não. Ou pelo menos a idéia não era tão clara assim. A maior parte das pessoas que contactamos não entendeu a idéia. A maioria disse não ter tempo para preparar algo para o café da manhã, e eles não tinham nem idéia do que eu pretendia com as tais mensagens. Felizmente, algumas poucas pessoas, mesmo sem entender muito bem o porquê de tudo aquilo, prepararam uma torta ou um bolo e nos mandaram juntamente com um bilhete/cartão. E no final, com a ajuda de alguns amigos, o café da manhã aconteceu e, segundo o meu ver, foi bem legal e produtivo.


Mas na semana seguinte passei ainda algum tempo pensando o por quê de minha idéia ter gerado tantas indagações, confusões e certa falta de atitude e colaboração, naqueles com os quais eu tinha certeza que poderia contar para por meu plano em prática. Na época não conseguia entender como eles não conseguiam seguir o meu raciocínio, e me senti nadando contra a corrente. Uma corrente de falta de visão e de estratégia, uma corrente de pouca disposição para ajudar. E foi exatamente naquela semana, em meio a esse desapontamento, é que eu ouvi pela primeira vez a música “Outras frequências”, do grupo “Engenheiros do Hawaii”. E a música caiu como uma luva na minha situação. Pela primeira vez pude perceber que o fato é que o meu coração e sentimentos estavam vibrando numa outra frequência.


Desde então a música se tornou não apenas a fonte inspiradora para o título do meu blog, mas também uma espécie de hino em tempos difíceis e de pouco apoio. Se tornou a minha maneira de me sentir confiante, mesmo sem encontrar tanta aprovação para alguns dos meus planos. Se tornou um incentivo para poder vibrar em outras frequências. Mas o que significa “vibrar em outras frequências”? Minha interpretação atual dessa poética expressão é um pouco diferente daquela despertada em mim na primeira vez que ouvi a música. Mas isso é um assunto para o próximo post.





Leuven, 08 de junho de 2011

Du

Monday, June 06, 2011

A volta das outras frequências




Escrever é uma das grandes paixões da minha vida, junto com ler, correr, nadar (atividade recém adquirida), conversar, viajar, aprender coisas novas, e, é claro, comer. É difícil descrever em palavras o que mais me fascina na escrita. Talvez a explicação mais simples seja que escrever é a maneira que eu encontrei de trazer para o mundo exterior idéias, pensamentos, perguntas e sentimentos que se recusam a ficar somente no meu mundo interior. Escrever, para mim, é o canal de comunicação mais efetivo e prazeroso que eu consigo encontrar entre a minha alma e o que é externo. É a língua que o meu interior fala quando eu me sinto inspirado, quando eu vejo um bom filme no cinema, quando eu leio um bom livro, ou escuto músicas poéticas e de ritmo gostoso, quando vou ao circo, ou quando simplesmente me pego observando algo ao meu redor que chama a atenção dos meus olhos. É a minha maneira de expressar a vida que sinto correr nas minhas veias e pulmões, quando, e somente quando, eu assim me sinto.

E foi exatamente por causa dessa paixão que eu comecei este blog há quase 5 anos atrás. Mas, desde então, esse blog passou por mais períodos de inatividade do que de devida atividade. Por muitas vezes cheguei até mesmo a esquecer que ele existia, para então ser relembrado por algum visitante desconhecido que por algum motivo ou fenômeno cósmico caíra de para-quedas por aqui e se dera ao trabalho de deixar um comentário anônimo dizendo que tinha gostado de algum dos meus posts. Em momentos de pura surpresa como esses, pensei por várias vezes “hum, talvez eu deva começar a escrever de novo”. Mas devo confessar que o maior obstáculo no caminho durante todo esse tempo foi mesmo a minha falta de inspiração e energia para escrever. Salvo alguns lampejos de inspiração – alguns deles transformados em textos aqui postados, esporadicamente, e a maior parte deles perdidos nos devaneios dos meus pensamentos – passei por um período de poucos textos borbulhando no meu peito e pedindo para nascer.

Mas talvez, pelo fato de ter passado tanto tempo sem escrever, é que a vontade de escrever tenha voltado de maneira tão forte e aguda. Muitos textos borbulhando no meu peitos; muitos pensamentos circulando pelo meu corpo; muitos sentimentos ansiando por ganhar forma em palavras, metáforas, rimas e ilustrações. E diante de tamanha erupção interna não me resta nada além de me render a minha velha paixão, e declarar a reativação deste blog. Espero que vocês se interessem pelas coisas que vou postar por aqui, e, por favor, se sintam convidados a colaborar com os seus pensamentos e reflexões a respeito dos temas aqui abordados.

O que muda com essa “reinauguração do meu blog”? Afinal, o blog continua “sob a mesma e velha direção”. E se partirmos desse ponto, a expectativa é de que o blog siga na mesma linha dos seus primeiros anos de vida e vigor. E acredito que essa seja a direção mais próxima da verdade. A idéia “notras frequências” continua presente (vou decorrer um pouco mais sobre isso num próximo post). Mas também podem esperar coisas novas – novas reflexões e questionamentos. Um pouquinho de como as arestas dos meus pensamentos e indagações têm se moldado e caminhado nesses últimos anos. Também peço que não se assustem e nem achem arrogante/exibicionista da minha parte se verem coisas escritas em inglês, ou mesmo em holandês, por aqui. Como quero repartir esse blog com novas pessoas que tenho encontrado pelo caminho, vou tentar fazê-lo também acessível para àqueles que não falam português. Alguns posts vou tentar colocar em inglês e português, outros em uma língua só. Mas a gente vai sentindo o melhor jeito à medida que as coisas forem caminhando e progredindo.

Boas e novas reflexões para todos nós.

Du

Leuven, 6 de junho de 2011.

Friday, September 24, 2010

Somente passear!



No próximo verão eu quero passear um dia com você
Andar, passear, sem direção e preocupação,
Somente passear e conversar,
Deixando o dia passar e a noite chegar

Prometo não tentar te impressionar
ou dizer coisas para te agradar
Um dia apenas para que nossos seres se esbarrem,
Deixando a alma e o pensamento devagarem

Prometo não deixar-me impressionar
Com o seu jeito interessante e inquieto de falar
Quero somente a sua companhia,
Deixando nossas almas conversarem por um dia

Naquele dia não farei juramentos,
tão pouco quero fazer julgamentos
Não vou usar palavras doces para te conquistar,
deixando a expectativa nos aprisionar

Vou tentar não falar tanto do passado
Nem fazer muitos planos para o futuro
talvez devamos também esquecer o presente,
Deixando assim o tempo perdido na gente

Queria mesmo passear com você
Não com quem você foi
Tão pouco com quem você será
Muito menos com quem você seria
Queria mesmo passear com você
Simplesmente com você.


Leuven,
20 de setembro de 2010,
em uma manhã ensolarada.

I said a little pray for you!!!


Moça bonita,

quando recebi a sua encomenda,

antes de desembrulhá-la

I said a little pray for you!


Quando eu abri a caixa

e vi sua mensagem,

eu fiquei tão feliz que

I said a little pray for you!


Quando vi meu presente

que me lembrou o quanto sou previlegiado

por ter uma amiga como você

I said a little pray for you!


Quando eu deixei o correio

eu sonhi para uma velhinha,

e enquanto ela sorria de volta

I said a little pray for you!


Enquanto eu pedalava para o meu trabalho

encantado pelas folhas das árvores ainda verdes

e desfrutando do sol queimando na minha pele

I said a little pray for you!


E agora, mesmo sem o embrulho do presente,

a velhinha sorridente,

as folhas nas árvores e o sol na minha pele,

Cada dia e todo dia

I say a little pray for you!

Wednesday, March 17, 2010

Queridos...


Essa semana os pássaros começaram a cantar de forma mais animada e entusiasmada. E a melodia ecoada pelos ares ainda gelados aqui em Leuven nos lembraram que a primavera está a caminho. Depois de um longo inverno, com muita neve e dias bem frios (vejam a foto abaixo), é incrível perceber como todo mundo já fica um pouco mais feliz e animado com o anúncio de dias mais quentes, longos e ensolarados. É como se pudéssemos sentir mais vida circulando pelo nosso corpo, a medida que percebemos a vida renascendo ao nosso redor. E seguindo o ritmo da vida, que vai se acelerando por aqui, levantei hoje bem disposto e animado para repartir um pouco dos meus dias com vocês e do que tenho aprendido com eles.




Foto 1. Essa foto foi tirada no dia 27 de janeiro, em Leuven, perto do prédio onde eu moro. Nessa manhã de sábado fomos surpreendidos pela neve que veio inesperada no final da noite, enquanto ainda dormíamos. As árvores de Arenberg, vizinhança onde moro, puderam mais uma vez vestir suas roupas brancas de gala.


O ano passado terminou de maneira muito especial para mim. Depois de mais uma longa temporada aqui na Bélgica, foi extremamente precisoso voltar ao Brasil para um período de quase seis semanas de férias. Foi muito bom estar de volta ao aconchego da minha casa em Jacutinga, encontrar amigos, e desfrutar da nossa comida e da nossa, igualmente saborosa, cultura brasileira. Foram tantos momentos especiais nesses dias de férias, que é difícil expressá-los em palavras. Mas se eu tivesse que resumir em uma palavra a importância desses dias, eu diria sem hesitação: “família”. Momentos como o casamento da minha irmã, a viagem para a praia com minha mãe e tios, os dias descontráidos e informais em nossa casa em Jacutinga (vez ou outra enfeitados e decorados com visitas de amigos), as comemorações do natal e ano novo, encheram meu coração de alegria e gratidão. Foi um tempo de celebrar laços, de cuidar e ser cuidado.


O último dia de 2009 também foi muito especial para mim. Foi a realização de algo pelo qual eu estava esperando o ano todo: correr na São Silvestre. É mesmo incrível poder fazer parte dessa festa do atletismo brasileiro, e já estou me preparando para correr novamente no final desse ano; e dessa vez, espero que alguns de vocês possam se juntar a mim. Assim que voltei para cá, em janeiro, eu comecei a treinar para as corridas desse ano. No começo os treinos foram um pouco atrapalhados pela neve que permaneceu por algumas semanas por aqui, mas agora, com dias um pouco mais quentes, os treinos estão mais agradáveis. Minha próxima corrida vai ser as 10 milhas de Antwerpia, no final de abril. :-)


Outro desafio que tive logo que voltei para cá foram as minhas provas de holandês. Depois de ter passado 6 semanas sem falar holandês e de ter perdido algumas semanas de aula em dezembro, eu cheguei na Bélgica já me conformado com a idéia de que eu seria reprovado no curso. Mas, graças a Deus, e para minha grande surpresa, a prova não foi tão difícil quanto eu estava esperando e eu fui aprovado para o próximo nível. Aprender a língua local tem sido um grande esforço para mim, e também um grande aprendizado de paciência. No começo foi difícil lidar com a frustração de que eu não conseguiria aprender holandês da noite para o dia; cheguei até mesmo a chorar um dia de tanta frustração. Mas, graças a Deus, e a grande paciência dos meus amigos belgas por aqui, o meu aprendizado de holandês tem seguido num ritmo bem legal. Essa semana mesmo dei o meu primeiro estudo bíblico em holandês no Ichtus (como a Aliança Bíblica Universitária – ABU – daqui é chamada). Devo confessar que isso foi um desafio para mim. Mas, mesmo com alguns tropeços na língua, o estudo foi bem interessante.


Outra coisa bem legal que aconteceu na semana passada aqui foi uma festa que eu e mais alguns amigos da igreja onde frequento organizamos. Foi uma festa brasileira/chinesa. Isso mesmo, Brasil e China juntos. A idéia foi fazer uma festa que apresentasse um pouco dos dois países: comida, música, arte, dança, etc. E não é que o pessoal gostou da idéia!?! Tivemos por volta de 100 pessoas na nossa festa. Foi um longo período de trabalho para preparar tudo, mas ficamos muito felizes com o resultado. O objetivo de festas como essa é trazer para o mesmo local pessoas de diferentes nacionalidades e promover a criação de laços de amizades entre pessoas da comunidade internacional de Leuven.






Fotos 2 e 3. No final da festa nós, os brasileiros, ensinamos as pessoas a dançar forró. Esse foi um momento bem divertido da festa e todo mundo gostou muito.


Com relação aos meus estudos, tudo tem caminhado relativamente bem. Continuo me esforçando para manter o foco no doutorado e de me manter disciplinado, o que tem funcionado em boa parte; não totalmente, mas vamos com calma que um dia eu chego lá. Meu projeto de doutorado está progredindo e estou seguindo duas disciplinas para aperfeiçoamento de ingês acadêmico, o que ainda permanece um desafio para mim; mas continuo me esforçando. :-) Tenho desfrutado de uma experiência bem interessante de estágio de docência. Uma vez por semana tenho que dar uma aula de exercícios para uma turma de 30 alunos. Como vários fatores são combinados – conceitos nem sempre triviais de serem explicados e entendidos, o fato da aula ser em inglês, e o número de alunos na sala, faz com que eu acabe a aula de 2 horas e meia completamente exausto e esgotado. Mas o aprendizado tem sido muito grande e cada vez mais estou certo de que eu quero mesmo ser professor.


No mais tudo tem caminhado bem. Deixo com vocês algumas outras notícias de forma resumida: completei 26 anos em fevereiro, e sinto que logo logo meus cabelos brancos estarão mais visíveis :-); caí duas vezes nesse inverno por causa da neve: uma vez correndo e uma vez de bicileta – nas duas vezes o tombo foi mais engraçado que dolorido; chegou uma nova brasileira na igreja onde eu frequento, o nome dele é Suzana – ela ajudou bastante na festa brasileira/chinesa; ainda a respeito da festa: com o meu exagero mineiro consegui fazer com que os gatos com os ingredientes para a comida brasileira fossem duas vezes mais caro que os gatos com a comida chinesa; continuo, para minha grande tristeza, colecionando casamentos perdidos no Brasil – só neste ano já foram dois: Esther e Peterson, Flavia e Matuska – e outros vem por aí; ganhei um livro de tirinhas do Hagar de presente de aniversário; descobri (nas minhas férias no Brasil) que atums são peixes enormes (até dois meses atrás eu tinha certeza que atums eram do mesmo tamanho das sardinhas); assisti Avatar no cinema ontem a noite, e gostei; estou bem impressionado com os dois grandes terremotos nas américas; continuo, como um vício recentemente adquirido, acompanhando o que se passa na política brasileira; descobri uma livraria bem aconchegante em Leuven; ajudei a Sara, uma amiga sueca da igreja, com a pronúncia do português para a apresentação da música Aquarela na festa brasileira (vejam o video http://www.youtube.com/watch?v=djroxk5GnvU); descobri, por ocasião da festa brasileira, que feijão tropeiro não é a mesma coisa que tutú de feijão.


Termino minha carta com uma frase que ouvi de uma grande amiga quando estava no Brasil: “Essa vida é um mistério”. Quando mais eu vivo, quanto mais pessoas eu conheço, cada história que eu ouço ou vejo, só faz com que o número de perguntas que eu tenha sobre a vida aumente em proporção ao número de respostas e explicações racionais que eu tenho. Cada vez mais me rendo a explicação de que a vida é um mistério maior do que podemos entender, e que no final das contas o mais interessante que podemos fazer é aprender a admirar e respeitar seu mistério e sua imprevisibilidade.




Com muita saudade e carinho,


Du



(Leuven, 06 de março de 2010)


Saturday, June 20, 2009

Leuven, 18 de junho de 2009

Olá, meus amigos!

Depois de muito tempo, cá estou para contar um pouquinho do que se passa na minha vida em terras belgas. Como de costume, costumo me empolgar quando escrevo para vocês.. Mas prometo que vou tentar não escrever uma carta quilométrica.. : )

Falando em quilômetros, gostaria de compartilhar com vocês de algo que me trouxe muito alegria e satisfação no final do mês passado. No dia 31 de maio, eu participei de uma corrida chamada “20km de Bruxelas” (vejam foto abaixo). Embora minhas tentativas de me tornar um “corredor amador um pouco menos amador” já venham de algum tempo, nunca havia corrido uma distância tão longa. Então essa corrida foi um verdadeiro deafio para mim.


(Os 20 km de Bruxelas – corrida com quase 28 mil pessoas – 31 de maio de 2009. Meu tempo de prova: 1h43min54sec) – Essa foto foi tirada nos últimos 3 quilômetros da corrida.. Minha cara de alegria é porque eu tinha acabado de ver uma pessoa conhecida (uma amiga aqui da Bélgica) no meio da múltidão que acompanhava a corrida.


Essa história de 20km começou há três meses atrás, quando alguém anunciou na igreja que eu frequento aqui em Leuven que uma organização chamada Stop the Traffik (organização que combate o tráfico de pessoas e o trabalho escravo) estava procurando voluntários para correrem 20km em Bruxelas como uma forma de arrecadar dinheiro para os projetos que eles tem. Me empolguei desde o início, pois a causa era justa e também os 20km soaram como um desafio pessoal. Então, me prontifiquei de imediato a me juntar ao grupo de 47 corredores do Stop the Traffik (no total, quase 28 mil pessoas participaram da corrida). Na preparação para a corrida eu estava tão animado, que até uma contusão na perna esquerda eu tive. Tive que visitar um médico pela primeira vez aqui na Bélgica, interromper meus treinos por 3 semanas e lidar com o medo de não poder participar da corrida. Mas depois de muita ansiedade e espera, minha perna melhorou da contusão e, com um ritmo de treino mais moderado, consegui ser um entre muitos que participou dessa festa do atletismo na Bélgica.

Como vocês podem perceber, sempre me empolgo quando o assunto é corrida! Mas nem só as corridas tem sido preenchida a primeira metade da minha segunda temporada na Bélgica. Esse também tem sido um período de aproveitar a tão esperada primavera.... Depois de meses frios, de dias curtos e nublados, temos aproveitado novamente um pouco de calor aqui em Leuven. Os dias estão muito mais longos (para vocês terem um noção, nessa época do ano anoitece aqui às 22:00) e ensolarados, o que traz uma atmosfera incrível de vida para a cidade. Nessa época do ano, as pessoas ficam até mais tarde nas ruas e praças, fazem churrasco, estudam e tomam sol nos gramados (praças, parques, jardins ou qualquer verde que exista), praticam mais esporte, correm, se reunem em frente aos cafés e bares do centro da cidade, etc. Mas não só as pessoas ficam mais animadas, mas a natureza também. As árvores agora tem de volta as suas folhas verdes perdidas durante o outono e os dias frios do inverno, e os pássaros estão de volta e na sua época mais ativa. Tudo isso faz do lugar que eu moro, que tem muito verde e é perto de um bosque, um local ainda mais agradável. O nome do local onde eu moro é Arenberg. É praticamente um campus universitário (mas não é afastado da cidade). Além de muitos estudantes, aqui você também pode encontar muitos patos, como a família de patos que você pode ver na foto abaixo.


(Família de patos habitante de Arenberg, local onde eu moro) - Os pequenos patos nascem mais ou menos nessa época do ano, e são extremamente graciosos e engraçados. Depois de grandes os patos podem não ser tão graciosos como antes, mas continuam muito engraçados. Eu sempre me divirto com os meus vizinhos patos.

Além de correr e desfrutar dos dias de primavera, eu também continuo firme no meu doutorado. Como muito de vocês sabem, disciplina não é o meu forte... E para fazer um doutorado, muito disciplina pessoal é necessária. Mas, pouco a pouco, estou ficando mais disciplinado e focado no meus estudos. Ainda acho que meu desempenho tem que melhorar um pouquinho (sem falsa modéstia.. é verdade.... estou sendo realista), mas já estou feliz e satisfeito com os avanços e as melhoras feitas até aqui. Com um pouquinho mais de tempo e esforço acho que já estarei no ritmo ideal para um doutorado. : )

Além dos meus estudos do doutorado, também tenho dedicado parte do meu tempo livre para estudar holandês. Tenho desfrutado muito do processo de aprendizado, e tenho vivenciado com grande alegria (e algumas vezes frustração) da minha evolução nessa língua que no começo soou estranha no meu ouvido, mas que já desde algum tempo ganhou toda a minha simpatia. Acabei de terminar o segundo nível do curso de holandês que estou seguindo (de um total de 6 níveis), mas também exercito o meu holandês sempre que possível fora da sala de aula. Segundo uma lei que eu criei, eu não posso falar em inglês quando estou com os meus amigos e colegas belgas da minha residênicia. E pouco a pouco os diálogos estão ficando cada vez mais fluentes. Mas, fluente ou não, holandês tem que ser usado com língua de comunicação. Essa é a minha regra para poder aprender holandês. E para que isso funcionasse demorou algum tempo e insistência minha, porque aqui em Flanders (a região onde eu moro na Bélgica), por razões históricas, culturais e territoriais, as pessoas tem bastante afinidade com línguas. Isso significa que se um belga conversa com um estrangeiro aqui em Leuven, ele vai automaticamente trocar o idioma de comunicação para o inglês (muitas vezes, mesmo que o estrangeiro tenha dito as primeiras frases em holandês). Então, é sempre um desafio para estrangeiros aprenderem holandês aqui, uma vez que todo mundo fala razoavelmente bem inglês.

Essa questão da língua é só uma dentre muitas peculiaridades da Bélgica, e se eu pudesse eu ficaria aqui por páginas e páginas tentando descrever para vocês como é o estilo de vida belga e como eles reagem nas situações cotidianas. Mas, enquanto eu mesmo aprendo todas as coisas aqui, eu vou contando pouco a pouco para vocês nas minhas cartas. E, quando vocês vierem para a Bélgica, terei um prazer imenso em poder mostrar um pouco a vocês desse país que está me acolhendo durante essa minha temporada aqui nas terras do norte. Os levarei para comer as batatas-fritas belgas, que definitivamente me consquistaram; mostrarei a arquitetura antiga, bonita e charmosa que está por toda parte; e brindarei com vocês com uma cerveja belga, de preferência em um dia ensolrado na praça de Leuven.

Mas enquanto não recebo a visita de vocês por aqui, espero ir mantendo contato com vocês.... e desde já aguardo com grande expectativa a minha visita ao Brasil em dezembro desse ano.

Antes de me despedir, vou só deixar com vocês algumas notícias rápidas dos meus útimos meses: Acabei de ler Crônicas de Nárnia; visitei Amsterdam mais uma vez (dessa vez com a Magda – grande amiga do Brasil), e comprei o livro “Diário de Anne Frank”, o qual eu 'devorei' em poucos dias; tive de me despedir de uma grande amiga minha, Alejandra, que voltou para a Colômbia depois de passar 10 meses em Leuven; continuo acessando periodicamente (muitas vezes ao dia), as páginas da UOL e da GLOBO, o que me deixam atualizado dos principais acontecimento no Brasil (dos fatos mais importantes aos mais fúteis); quase que perdi totalmente os 10kg ganhos na minha visita ao Brasil no começo do ano; perdi o casamento de mais um casal de amigos no Brasil (Danúbia e Fabiano); assinei um jornal belga específico para estrangeiros (o holandês é escrito de maneira mais fácil); estou um pouco melhor nos meus dotes culinários; fiz brigadeiro pela primeira vez e servi guaraná Antarctica em um jantar para uma comemoração atrasada do meu aniversário; tive meus joelhos queimados pelo sol belga em um dia que estava estudando no gramado; continuo ouvindo de vez enquando a rádio NOVA BRASIL FM, que sempre traz inspiração para meus dias; ajudei dois patinhos que tinham confundido uma pata com a sua mãe a acharem a verdadeira mãe-pata (um amigo meu me mostrou qual era a mãe correta); dei as boas-vindas para mais um brasileiro no meu grupo de pesquisa; acabei de ler dois livros do Garfield em holandês (o Garfield é uma figura!!!); dei o meu primeiro estudo bíblico em inglês, o que não achei que foi muito bem sucedido; viajei para uma conferência no sul da França de bicicleta (viajamos até a fronteira da Bélgica com as bicicletas no trem, e depois pedalamos pouco mais de 60km); participei de uma corrida chamada Bike&Run (33 km, percorridos em dupla com revezamento de quem corre e de quem vai pedalando) vestindo a camisa do Brasil que ganhei de meus amigos e ex-colegas do curso de computação de Rio Claro; tive a minha menor taxa de escrita de e-mails desde que abri minha primeira conta de e-mail (como vocês devem ter percebido pelo escassês dos meus e-mails); encontrei brasileiros por acaso nas ruas de Leuven; ganhei um ferro de passar roupa da Alejandra quando ela foi embora para a Colômbia; descobri que a República Dominicana fica na América Central. : )


Abraços e beijos mais que saudosos

Du

Friday, May 02, 2008

Em tempos de mudanças....


Tempos de mudanças quase sempre não são fáceis e trazem a suas próprias preocupações, temores e complicações. Não é fácil dizer “até logo”, quando o “até logo” pode não ser tão logo assim. Não é fácil deixar o que é certo pelo duvidoso, pois dar um passo a frente significa tirar o pé do chão, mesmo que pelo menos por alguns instantes. Por vezes, nem se sabe se o passo a frente é na direção que nos leva de fato para frente ou para trás. Mas, por motivos que às vezes fogem a nossa razão e conhecimento, a mudança é uma constante em nossa vida. Afinal, como diria alguém que conheci, “o mundo está em constante movimento”.

Mudanças trazem o novo. Isso significa que podemos ser confrontados com situações e sentimentos que não nos são comuns e conhecidos. Por essa razão, muitas vezes o processo de mudança é acompanhado por uma atmosfera de temor e ansiedade. Algumas vezes ainda, adquirimos resistência com relação a certos tipos de mudanças. Pode até ser que a situação que nos encontramos hoje não seja a melhor, e que vislumbramos mudanças que poderiam nos deixar em condições confortáveis. Entretanto, ao contrário do que gostaríamos, não temos o controle de toda a situação. Talvez por isso mesmo a mudança soe ao ouvidos de alguns como o barulho de uma roleta russa.

Eu particularmente confesso certo medo de mudanças e tenho no íntimo um anseio de estar no controle da situação. Pois não estar no controle, por vezes me dá uma sensação de vulnerabilidade. Dessa forma, não é de se espantar que certa afirmação de um amigo, há cerca de duas semanas, entrou com certa inquietação pelos meus ouvidos. Em uma mesa de bar e num clima de celebração de amizades enraizadas e profundas, e também de despedida antes de me aventurar por terras belgas por um longo período por conta do meu doutorado, ele olhou para mim e disse algo assim: “Daqui há quatro anos você vai estar tão diferente! Você vai voltar tão sereno depois dessa temporada fora do país. Você já parou para pensar que o 'Du' que conhecemos hoje não mais existirá?”.

Passei alguns dias matutando a respeito disso e fazendo uma retrospectiva das minhas mudanças até hoje: a saída da casa dos meus pais, o período da faculdade, o mestrado, etc. Foi então que percebi que realmente mudei muito durante esse tempo. Longe de encarar isso como algo negativo, percebi o quanto tudo isso me ajudou a amadurecer e a me conhecer melhor. Continuando nessa reflexão, compartilhei isso com uma amiga e obtive mais uma contribuição. Ela apontou o fato de que daqui há quatro anos não só eu terei mudado, mas também as pessoas que hoje conheço. E que tudo isso faz parte da dinâmica natural da nossa vida.

Toda essa reflexão me fez perceber com um pouco mais de clareza o grande poder das mudanças em nossas vidas e no mundo que hoje conhecemos. Mas seria tal poder das mudanças um adversário ou um aliado? Na verdade, em essência, nenhum dos dois. As mudanças ocorrem pela própria dinâmica da vida e das escolhas de cada um, bem como de uma série de outras variáveis, muitas das quais se modificam para além dos horizontes que nossos olhos alcançam. E nisso tudo, o que conta mesmo é como nos portamos em meio as mudanças em nossas volta e em nosso interior.

Entretanto, lembrando um pouco de nossas aulas de física e das intermináveis fórmulas que eramos obrigados a decorar, podemos perceber que, apesar da presença de todas as variáveis, constantes também estão presentes em nosso universo. Tais constantes não barram as mudanças. Ao contrário, as direcionam e lhe trazem o tom. Dessa forma, restam as perguntas: Quais seriam essas constantes? Há no mundo alguma essência pela qual devemos prezar? Talvez essas sejam perguntas mais genuínas do que àquelas provenientes das inquietações das mudanças e que muitas vezes se mostram equivocadas ou desnecessárias.


Jacutinga, 01 de maio de 2008

Tuesday, April 08, 2008

Solene celebração




Hoje quero celebrar meus amigos,
os que estão perto e os que estão longe,
Em especial, os mais chegados.

Aqueles que dizem “Eu te amo”,
mas também aqueles que me fazem saber disso
sem dizer palavra alguma.

Aqueles que me desejam novas experiências,
e os que me pedem cuidado com tais coisas,
pois tem medo que eu “vire minha cabeça”.

Aqueles com quem dividi a mesa, o garfo e a faca,
mas também aqueles com quem dividi a garrafa e o copo.

Aqueles que escutaram das minhas feridas mais doloridas,
e também aqueles que presenciaram as situações mais engraçadas

Aqueles que já sabem o que querem da vida,
e aqueles que sabem apenas o que não querem

Aqueles que me fizeram chorar, de alegria ou de tristeza,
e os que me fizeram gargalhar até perder o fôlego

Aqueles serenos e que falam mansinho,
e aqueles que fazem barulho e se fazem percebidos

Aqueles que gostam de ver o lado positivo das coisas,
mas também aqueles que, por natureza, são questionadores

Aqueles que valorizaram os meus pontos fortes,
e aqueles que descobriram os meus pontos fracos
e continuaram me respeitando apesar disso e por conta disso

Aqueles que adoram um drama e pensam de maneira complexa
e também aqueles que são diretos, objetivos e simples

Aos meus amigos que sonham em se casar
e aqueles sonham apenas em ser felizes,
convencionalmente ou não

Aqueles que me deixaram entrar sem reservas e de uma vez,
mas também aqueles que me fascinaram pelo jeito enigmático de ser

Aqueles que compartilham das minhas crenças e valores,
e aqueles que têm me ensinado a respeitar outras formas de encarar a vida

Os meus amigos conservadores,
que me fazem repensar meu relativismo,
e também meus amigos liberais,
que me ensinam a ser mais flexível

Celebro todos os meus amigos,
diferentes, diversos, contraditórios
Raros

Homens e mulheres,
que não passam de meninos e meninas
Meus tutores e professores

Grato Sou!!!




Jacutinga, 07 de abril de 2008

Sunday, March 23, 2008

Mas, ressurgiu....




"[Lúcia e Susana] foram as extremo da colina e olharam para baixo. A grande estrela solitária desaparecera. Toda a paisagem da terra tinha um ar cinzento-escuro; mas, para além, muito longe, lá no fim do mundo, o mar brilhava, pálido. Havia tons róseos no céu. Andaram para lá e para cá, inúmeras vezes, do corpo morto de Aslam ao sopé da colina. Em certo momento, ficaram imóveis a olhar para o mar e para o castelo de Cair Paravel, que só agora começaram a distinguir. E enquanto ali estavam, no lugar em que a terra se acaba e o mar começa, o vermelho tornou-se dourado, e o Sol começou a surgir devagarinho. Foi quando ouviram um grande barulho, um barulho ensurdecedor de uma coisa que estala, como se um gigante acabasse de quebrar um prato gigantesco.

- Que barulho foi esse? – disse Lúcia, agarrando-se ao braço de Susana.
- Não sei. Estou com medo... estou com medo de olhar...
- Devem ter voltado... Vamos olhar! – E Lúcia virou-se, obrigando Susana a fazer o mesmo.
O sol dera a tudo uma aparência tão diferente, alterando de tal maneira as cores e as sombras, que por um momento não repararam na coisa de fato importante. Até que viram. A Mesa de Pedra estava partida em duas por uma grande fenda, que ia de lado a lado. E de Aslam, nem sombra.
- Oh! Oh! Oh! – gritaram as meninas, correndo para a mesa.
- Isso é demais! Podiam ao menos ter deixado o corpo em paz.
- Mas que coisa é essa? Ainda será magia?
- Magia, sim! – disse uma voz forte, pertinho delas. – Ainda é magia.
Olharam. Iluminado pelo Sol nascente, maior do que antes, Aslam sacudia a juba (pelo visto, tinha voltado a crescer).
- Aslam! Aslam! – exclamaram as meninas, espantadas, a olhar para ele, ao mesmo tempo assustadas e felizes.
- Você não está morto?
- Agora, não."

(C.S.Lewis -Trecho de "O leão, a feiticeira e o guarda-roupa" - "As Crônicas de Narnia" - Martins Fontes)



Aproveitando a bela alegoria da ressurreição de Cristo feita por C.S.Lewis, por meio do leão Aslam, aproveito para desejar a todos uma Feliz Páscoa. Utilizando as palavras de Jesus, ao aparecer as seus discípulos após a ressurreição (Evangelho de João, capítulo 20, versículo 9 - Bíblia):

"Paz seja com vocês!"



Vilarejo, 23 de março de 2008


Thursday, March 20, 2008

Onde estão os bandidos?

Sob a ótica e desafio do extrapolamento


Renato Russo e sua legião registraram na música “Quase sem querer” a seguinte frase “Já não sou mais tão criança... a ponto de saber tudo”. Fico a pensar sobre coisas que mudaram em meu interior por não ser mais tão criança e outras que também mudaram pelo simples fato de conservar a criança no meu interior. Trazendo a mente algumas coisas que tenho refletido no último ano, posso dizer “Já não sou mais tão criança.... a ponto de buscar vilões a minha volta”, ou melhor “Tento a cada dia não ser tão criança... a ponto de buscar vilões a minha volta”.

Lembro-me da primeira vez que me deparei com uma dinâmica diferente da conhecida guerra entre o bem e o mal dos desenhos animados e das histórias de super-heróis. Quando criança, fui até a casa de um amigo uns dois anos mais velho que eu. Como ele estava assistindo a um filme de guerra, logo perguntei “Quem é o do mal?”. Se eu iria assistir a um filme de guerra, era primordial saber quem era do bem e quem era do mal. Afinal para quem eu iria torcer? Por isso, naquela época, não fiquei muito satisfeito com a resposta de meu amigo de que não existia essa coisa de “do bem ou do mal” numa guerra. Embora naquele filme, como comumente ocorre nas produções cinematográficas, o bem e o mal estivessem bem destacados e delineados.

Embora distinguir o mundo entre coisas “do bem ou do mal” pareça coisa de criança, isso é bem comum no nosso mundo dito adulto e maduro. Essa vontade rotular as coisas entre bem e mal perpassa nossos sentimentos, principalmente quando há uma tensão envolvida. Afinal, alguém precisa ser o responsável, não é?!?

Talvez um bom exercício para verificar nosso olhar imparcial sobre os fatos é assistir aos filmes “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”, que retratam de perspectivas diferentes o ataque americano à ilha de Iwo Jima, durante a Segunda Guerra Mundial. Enquanto assistia ao filme “A Conquista da Honra”, literalmente torcia pela vitória do americanos e para que os personagens do filme se mantivessem a salvo. Em seguida, no outro filme, torcia pela resistência dos japoneses com o mesmo afinco ou mais do que eu tinha torcido pelos americanos no filme anterior. Os dois filmes simplesmente me fizeram me posicionar de formas diferentes a respeito de uma mesma guerra. Isso é facilmente compreensível quando levamos em conta de que, durante cada um dos filmes, nos afeiçoamos aos personagens e eles extrapolam aos rótulos de suas nacionalidades. Dessa forma, esse sentimento e simpatia para com os personagens nos fazem torcer por eles.

Talvez esse seja nosso grande desafio no mundo real. Extrapolar os preconceitos, os rótulos e as pressuposições sobrepostas sobre cada pessoa, e descobrir o valor inerente de cada um. Logicamente não nos daremos bem com todo mundo e teremos simpatia por todos os que nos rodeiam, mas ao menos deveremos estar sensíveis ao choro que se esconde por detrás de uma atitude aparentemente dura, o medo por detrás da mentira, o desencanto e descontentamento por detrás da frieza implacável. Afinal, não vivemos em um mundo de mocinhos e vilões.

Mais do que a dinâmica de dois países em guerra ou da relação entre carrasco e explorado, tensões do tipo “quem está com a razão X quem não está” permeiam nossos relacionamentos, sejam eles familiares, amorosos, profissionais, religiosos, etc. Dessa forma, o “desafio do extrapolamento” é muito maior e muito mais profundo. Não sejamos ingênuos em ignorar os dois lados da história. Ou melhor, como aprendi com uma amiga jornalista nesse final de semana, não existem apenas dois lados da história. Toda história tem múltiplos lados. Assim, termino esse POST com o poema “Rejeição” de Carlos Drummond de Andrade, que questiona um pouco essa questão de se posicionar apenas sob a perspectiva de um lado da história.


Rejeição

Não sei o que tem meu primo
que não me olha de frente.
Se passo por sua porta,
é como se não me visse:
parece que está na Espanha
e eu, velhamente, em Minas.
Até me virando a cara,
a cara é de zombaria.
Se ele pensa que é mais forte
e que pode me bater,
diga logo, vamos ver
o que a tapa se resolve.
A gente briga no beco,
longe dos pais e dos tios,
mas briga de decidir
essa implicância calada.
Qual dos dois, mais importante:
o ramo dele, o meu ramo?
O pai mais rico, quem tem?
Qual o mais inteligente,
eu ou ele, lá na escola?
Namorada mais jeitosa,
é a minha ou é a dele?
Tudo isso liquidaremos
a pescoção, calçapé,
um dia desses, na certa.
Sem motivo, sem aviso,
meu primo declara guerra,
essa guerrinha escondida,
de mim, mais ninguém, sabida.
Pode pois uma família
ser assim tão complicada
que nós dois nos detestamos
por sermos do mesmo sangue?
Nossas paredes internas
são forradas de aversão?
Será que o que eu penso dele
ele é que pensa de mim
e me olha atravessado
porque vê na minha cara
o vinco de zombaria
e um sentimento de força,
vontade de bater nele?
Meu Deus, serei o meu primo,
e a mesma coisa sentimos
como se a sentisse o outro?
(Carlos Drummond de Andrade)