Saturday, June 20, 2009

Leuven, 18 de junho de 2009

Olá, meus amigos!

Depois de muito tempo, cá estou para contar um pouquinho do que se passa na minha vida em terras belgas. Como de costume, costumo me empolgar quando escrevo para vocês.. Mas prometo que vou tentar não escrever uma carta quilométrica.. : )

Falando em quilômetros, gostaria de compartilhar com vocês de algo que me trouxe muito alegria e satisfação no final do mês passado. No dia 31 de maio, eu participei de uma corrida chamada “20km de Bruxelas” (vejam foto abaixo). Embora minhas tentativas de me tornar um “corredor amador um pouco menos amador” já venham de algum tempo, nunca havia corrido uma distância tão longa. Então essa corrida foi um verdadeiro deafio para mim.


(Os 20 km de Bruxelas – corrida com quase 28 mil pessoas – 31 de maio de 2009. Meu tempo de prova: 1h43min54sec) – Essa foto foi tirada nos últimos 3 quilômetros da corrida.. Minha cara de alegria é porque eu tinha acabado de ver uma pessoa conhecida (uma amiga aqui da Bélgica) no meio da múltidão que acompanhava a corrida.


Essa história de 20km começou há três meses atrás, quando alguém anunciou na igreja que eu frequento aqui em Leuven que uma organização chamada Stop the Traffik (organização que combate o tráfico de pessoas e o trabalho escravo) estava procurando voluntários para correrem 20km em Bruxelas como uma forma de arrecadar dinheiro para os projetos que eles tem. Me empolguei desde o início, pois a causa era justa e também os 20km soaram como um desafio pessoal. Então, me prontifiquei de imediato a me juntar ao grupo de 47 corredores do Stop the Traffik (no total, quase 28 mil pessoas participaram da corrida). Na preparação para a corrida eu estava tão animado, que até uma contusão na perna esquerda eu tive. Tive que visitar um médico pela primeira vez aqui na Bélgica, interromper meus treinos por 3 semanas e lidar com o medo de não poder participar da corrida. Mas depois de muita ansiedade e espera, minha perna melhorou da contusão e, com um ritmo de treino mais moderado, consegui ser um entre muitos que participou dessa festa do atletismo na Bélgica.

Como vocês podem perceber, sempre me empolgo quando o assunto é corrida! Mas nem só as corridas tem sido preenchida a primeira metade da minha segunda temporada na Bélgica. Esse também tem sido um período de aproveitar a tão esperada primavera.... Depois de meses frios, de dias curtos e nublados, temos aproveitado novamente um pouco de calor aqui em Leuven. Os dias estão muito mais longos (para vocês terem um noção, nessa época do ano anoitece aqui às 22:00) e ensolarados, o que traz uma atmosfera incrível de vida para a cidade. Nessa época do ano, as pessoas ficam até mais tarde nas ruas e praças, fazem churrasco, estudam e tomam sol nos gramados (praças, parques, jardins ou qualquer verde que exista), praticam mais esporte, correm, se reunem em frente aos cafés e bares do centro da cidade, etc. Mas não só as pessoas ficam mais animadas, mas a natureza também. As árvores agora tem de volta as suas folhas verdes perdidas durante o outono e os dias frios do inverno, e os pássaros estão de volta e na sua época mais ativa. Tudo isso faz do lugar que eu moro, que tem muito verde e é perto de um bosque, um local ainda mais agradável. O nome do local onde eu moro é Arenberg. É praticamente um campus universitário (mas não é afastado da cidade). Além de muitos estudantes, aqui você também pode encontar muitos patos, como a família de patos que você pode ver na foto abaixo.


(Família de patos habitante de Arenberg, local onde eu moro) - Os pequenos patos nascem mais ou menos nessa época do ano, e são extremamente graciosos e engraçados. Depois de grandes os patos podem não ser tão graciosos como antes, mas continuam muito engraçados. Eu sempre me divirto com os meus vizinhos patos.

Além de correr e desfrutar dos dias de primavera, eu também continuo firme no meu doutorado. Como muito de vocês sabem, disciplina não é o meu forte... E para fazer um doutorado, muito disciplina pessoal é necessária. Mas, pouco a pouco, estou ficando mais disciplinado e focado no meus estudos. Ainda acho que meu desempenho tem que melhorar um pouquinho (sem falsa modéstia.. é verdade.... estou sendo realista), mas já estou feliz e satisfeito com os avanços e as melhoras feitas até aqui. Com um pouquinho mais de tempo e esforço acho que já estarei no ritmo ideal para um doutorado. : )

Além dos meus estudos do doutorado, também tenho dedicado parte do meu tempo livre para estudar holandês. Tenho desfrutado muito do processo de aprendizado, e tenho vivenciado com grande alegria (e algumas vezes frustração) da minha evolução nessa língua que no começo soou estranha no meu ouvido, mas que já desde algum tempo ganhou toda a minha simpatia. Acabei de terminar o segundo nível do curso de holandês que estou seguindo (de um total de 6 níveis), mas também exercito o meu holandês sempre que possível fora da sala de aula. Segundo uma lei que eu criei, eu não posso falar em inglês quando estou com os meus amigos e colegas belgas da minha residênicia. E pouco a pouco os diálogos estão ficando cada vez mais fluentes. Mas, fluente ou não, holandês tem que ser usado com língua de comunicação. Essa é a minha regra para poder aprender holandês. E para que isso funcionasse demorou algum tempo e insistência minha, porque aqui em Flanders (a região onde eu moro na Bélgica), por razões históricas, culturais e territoriais, as pessoas tem bastante afinidade com línguas. Isso significa que se um belga conversa com um estrangeiro aqui em Leuven, ele vai automaticamente trocar o idioma de comunicação para o inglês (muitas vezes, mesmo que o estrangeiro tenha dito as primeiras frases em holandês). Então, é sempre um desafio para estrangeiros aprenderem holandês aqui, uma vez que todo mundo fala razoavelmente bem inglês.

Essa questão da língua é só uma dentre muitas peculiaridades da Bélgica, e se eu pudesse eu ficaria aqui por páginas e páginas tentando descrever para vocês como é o estilo de vida belga e como eles reagem nas situações cotidianas. Mas, enquanto eu mesmo aprendo todas as coisas aqui, eu vou contando pouco a pouco para vocês nas minhas cartas. E, quando vocês vierem para a Bélgica, terei um prazer imenso em poder mostrar um pouco a vocês desse país que está me acolhendo durante essa minha temporada aqui nas terras do norte. Os levarei para comer as batatas-fritas belgas, que definitivamente me consquistaram; mostrarei a arquitetura antiga, bonita e charmosa que está por toda parte; e brindarei com vocês com uma cerveja belga, de preferência em um dia ensolrado na praça de Leuven.

Mas enquanto não recebo a visita de vocês por aqui, espero ir mantendo contato com vocês.... e desde já aguardo com grande expectativa a minha visita ao Brasil em dezembro desse ano.

Antes de me despedir, vou só deixar com vocês algumas notícias rápidas dos meus útimos meses: Acabei de ler Crônicas de Nárnia; visitei Amsterdam mais uma vez (dessa vez com a Magda – grande amiga do Brasil), e comprei o livro “Diário de Anne Frank”, o qual eu 'devorei' em poucos dias; tive de me despedir de uma grande amiga minha, Alejandra, que voltou para a Colômbia depois de passar 10 meses em Leuven; continuo acessando periodicamente (muitas vezes ao dia), as páginas da UOL e da GLOBO, o que me deixam atualizado dos principais acontecimento no Brasil (dos fatos mais importantes aos mais fúteis); quase que perdi totalmente os 10kg ganhos na minha visita ao Brasil no começo do ano; perdi o casamento de mais um casal de amigos no Brasil (Danúbia e Fabiano); assinei um jornal belga específico para estrangeiros (o holandês é escrito de maneira mais fácil); estou um pouco melhor nos meus dotes culinários; fiz brigadeiro pela primeira vez e servi guaraná Antarctica em um jantar para uma comemoração atrasada do meu aniversário; tive meus joelhos queimados pelo sol belga em um dia que estava estudando no gramado; continuo ouvindo de vez enquando a rádio NOVA BRASIL FM, que sempre traz inspiração para meus dias; ajudei dois patinhos que tinham confundido uma pata com a sua mãe a acharem a verdadeira mãe-pata (um amigo meu me mostrou qual era a mãe correta); dei as boas-vindas para mais um brasileiro no meu grupo de pesquisa; acabei de ler dois livros do Garfield em holandês (o Garfield é uma figura!!!); dei o meu primeiro estudo bíblico em inglês, o que não achei que foi muito bem sucedido; viajei para uma conferência no sul da França de bicicleta (viajamos até a fronteira da Bélgica com as bicicletas no trem, e depois pedalamos pouco mais de 60km); participei de uma corrida chamada Bike&Run (33 km, percorridos em dupla com revezamento de quem corre e de quem vai pedalando) vestindo a camisa do Brasil que ganhei de meus amigos e ex-colegas do curso de computação de Rio Claro; tive a minha menor taxa de escrita de e-mails desde que abri minha primeira conta de e-mail (como vocês devem ter percebido pelo escassês dos meus e-mails); encontrei brasileiros por acaso nas ruas de Leuven; ganhei um ferro de passar roupa da Alejandra quando ela foi embora para a Colômbia; descobri que a República Dominicana fica na América Central. : )


Abraços e beijos mais que saudosos

Du

Friday, May 02, 2008

Em tempos de mudanças....


Tempos de mudanças quase sempre não são fáceis e trazem a suas próprias preocupações, temores e complicações. Não é fácil dizer “até logo”, quando o “até logo” pode não ser tão logo assim. Não é fácil deixar o que é certo pelo duvidoso, pois dar um passo a frente significa tirar o pé do chão, mesmo que pelo menos por alguns instantes. Por vezes, nem se sabe se o passo a frente é na direção que nos leva de fato para frente ou para trás. Mas, por motivos que às vezes fogem a nossa razão e conhecimento, a mudança é uma constante em nossa vida. Afinal, como diria alguém que conheci, “o mundo está em constante movimento”.

Mudanças trazem o novo. Isso significa que podemos ser confrontados com situações e sentimentos que não nos são comuns e conhecidos. Por essa razão, muitas vezes o processo de mudança é acompanhado por uma atmosfera de temor e ansiedade. Algumas vezes ainda, adquirimos resistência com relação a certos tipos de mudanças. Pode até ser que a situação que nos encontramos hoje não seja a melhor, e que vislumbramos mudanças que poderiam nos deixar em condições confortáveis. Entretanto, ao contrário do que gostaríamos, não temos o controle de toda a situação. Talvez por isso mesmo a mudança soe ao ouvidos de alguns como o barulho de uma roleta russa.

Eu particularmente confesso certo medo de mudanças e tenho no íntimo um anseio de estar no controle da situação. Pois não estar no controle, por vezes me dá uma sensação de vulnerabilidade. Dessa forma, não é de se espantar que certa afirmação de um amigo, há cerca de duas semanas, entrou com certa inquietação pelos meus ouvidos. Em uma mesa de bar e num clima de celebração de amizades enraizadas e profundas, e também de despedida antes de me aventurar por terras belgas por um longo período por conta do meu doutorado, ele olhou para mim e disse algo assim: “Daqui há quatro anos você vai estar tão diferente! Você vai voltar tão sereno depois dessa temporada fora do país. Você já parou para pensar que o 'Du' que conhecemos hoje não mais existirá?”.

Passei alguns dias matutando a respeito disso e fazendo uma retrospectiva das minhas mudanças até hoje: a saída da casa dos meus pais, o período da faculdade, o mestrado, etc. Foi então que percebi que realmente mudei muito durante esse tempo. Longe de encarar isso como algo negativo, percebi o quanto tudo isso me ajudou a amadurecer e a me conhecer melhor. Continuando nessa reflexão, compartilhei isso com uma amiga e obtive mais uma contribuição. Ela apontou o fato de que daqui há quatro anos não só eu terei mudado, mas também as pessoas que hoje conheço. E que tudo isso faz parte da dinâmica natural da nossa vida.

Toda essa reflexão me fez perceber com um pouco mais de clareza o grande poder das mudanças em nossas vidas e no mundo que hoje conhecemos. Mas seria tal poder das mudanças um adversário ou um aliado? Na verdade, em essência, nenhum dos dois. As mudanças ocorrem pela própria dinâmica da vida e das escolhas de cada um, bem como de uma série de outras variáveis, muitas das quais se modificam para além dos horizontes que nossos olhos alcançam. E nisso tudo, o que conta mesmo é como nos portamos em meio as mudanças em nossas volta e em nosso interior.

Entretanto, lembrando um pouco de nossas aulas de física e das intermináveis fórmulas que eramos obrigados a decorar, podemos perceber que, apesar da presença de todas as variáveis, constantes também estão presentes em nosso universo. Tais constantes não barram as mudanças. Ao contrário, as direcionam e lhe trazem o tom. Dessa forma, restam as perguntas: Quais seriam essas constantes? Há no mundo alguma essência pela qual devemos prezar? Talvez essas sejam perguntas mais genuínas do que àquelas provenientes das inquietações das mudanças e que muitas vezes se mostram equivocadas ou desnecessárias.


Jacutinga, 01 de maio de 2008

Tuesday, April 08, 2008

Solene celebração




Hoje quero celebrar meus amigos,
os que estão perto e os que estão longe,
Em especial, os mais chegados.

Aqueles que dizem “Eu te amo”,
mas também aqueles que me fazem saber disso
sem dizer palavra alguma.

Aqueles que me desejam novas experiências,
e os que me pedem cuidado com tais coisas,
pois tem medo que eu “vire minha cabeça”.

Aqueles com quem dividi a mesa, o garfo e a faca,
mas também aqueles com quem dividi a garrafa e o copo.

Aqueles que escutaram das minhas feridas mais doloridas,
e também aqueles que presenciaram as situações mais engraçadas

Aqueles que já sabem o que querem da vida,
e aqueles que sabem apenas o que não querem

Aqueles que me fizeram chorar, de alegria ou de tristeza,
e os que me fizeram gargalhar até perder o fôlego

Aqueles serenos e que falam mansinho,
e aqueles que fazem barulho e se fazem percebidos

Aqueles que gostam de ver o lado positivo das coisas,
mas também aqueles que, por natureza, são questionadores

Aqueles que valorizaram os meus pontos fortes,
e aqueles que descobriram os meus pontos fracos
e continuaram me respeitando apesar disso e por conta disso

Aqueles que adoram um drama e pensam de maneira complexa
e também aqueles que são diretos, objetivos e simples

Aos meus amigos que sonham em se casar
e aqueles sonham apenas em ser felizes,
convencionalmente ou não

Aqueles que me deixaram entrar sem reservas e de uma vez,
mas também aqueles que me fascinaram pelo jeito enigmático de ser

Aqueles que compartilham das minhas crenças e valores,
e aqueles que têm me ensinado a respeitar outras formas de encarar a vida

Os meus amigos conservadores,
que me fazem repensar meu relativismo,
e também meus amigos liberais,
que me ensinam a ser mais flexível

Celebro todos os meus amigos,
diferentes, diversos, contraditórios
Raros

Homens e mulheres,
que não passam de meninos e meninas
Meus tutores e professores

Grato Sou!!!




Jacutinga, 07 de abril de 2008

Sunday, March 23, 2008

Mas, ressurgiu....




"[Lúcia e Susana] foram as extremo da colina e olharam para baixo. A grande estrela solitária desaparecera. Toda a paisagem da terra tinha um ar cinzento-escuro; mas, para além, muito longe, lá no fim do mundo, o mar brilhava, pálido. Havia tons róseos no céu. Andaram para lá e para cá, inúmeras vezes, do corpo morto de Aslam ao sopé da colina. Em certo momento, ficaram imóveis a olhar para o mar e para o castelo de Cair Paravel, que só agora começaram a distinguir. E enquanto ali estavam, no lugar em que a terra se acaba e o mar começa, o vermelho tornou-se dourado, e o Sol começou a surgir devagarinho. Foi quando ouviram um grande barulho, um barulho ensurdecedor de uma coisa que estala, como se um gigante acabasse de quebrar um prato gigantesco.

- Que barulho foi esse? – disse Lúcia, agarrando-se ao braço de Susana.
- Não sei. Estou com medo... estou com medo de olhar...
- Devem ter voltado... Vamos olhar! – E Lúcia virou-se, obrigando Susana a fazer o mesmo.
O sol dera a tudo uma aparência tão diferente, alterando de tal maneira as cores e as sombras, que por um momento não repararam na coisa de fato importante. Até que viram. A Mesa de Pedra estava partida em duas por uma grande fenda, que ia de lado a lado. E de Aslam, nem sombra.
- Oh! Oh! Oh! – gritaram as meninas, correndo para a mesa.
- Isso é demais! Podiam ao menos ter deixado o corpo em paz.
- Mas que coisa é essa? Ainda será magia?
- Magia, sim! – disse uma voz forte, pertinho delas. – Ainda é magia.
Olharam. Iluminado pelo Sol nascente, maior do que antes, Aslam sacudia a juba (pelo visto, tinha voltado a crescer).
- Aslam! Aslam! – exclamaram as meninas, espantadas, a olhar para ele, ao mesmo tempo assustadas e felizes.
- Você não está morto?
- Agora, não."

(C.S.Lewis -Trecho de "O leão, a feiticeira e o guarda-roupa" - "As Crônicas de Narnia" - Martins Fontes)



Aproveitando a bela alegoria da ressurreição de Cristo feita por C.S.Lewis, por meio do leão Aslam, aproveito para desejar a todos uma Feliz Páscoa. Utilizando as palavras de Jesus, ao aparecer as seus discípulos após a ressurreição (Evangelho de João, capítulo 20, versículo 9 - Bíblia):

"Paz seja com vocês!"



Vilarejo, 23 de março de 2008


Thursday, March 20, 2008

Onde estão os bandidos?

Sob a ótica e desafio do extrapolamento


Renato Russo e sua legião registraram na música “Quase sem querer” a seguinte frase “Já não sou mais tão criança... a ponto de saber tudo”. Fico a pensar sobre coisas que mudaram em meu interior por não ser mais tão criança e outras que também mudaram pelo simples fato de conservar a criança no meu interior. Trazendo a mente algumas coisas que tenho refletido no último ano, posso dizer “Já não sou mais tão criança.... a ponto de buscar vilões a minha volta”, ou melhor “Tento a cada dia não ser tão criança... a ponto de buscar vilões a minha volta”.

Lembro-me da primeira vez que me deparei com uma dinâmica diferente da conhecida guerra entre o bem e o mal dos desenhos animados e das histórias de super-heróis. Quando criança, fui até a casa de um amigo uns dois anos mais velho que eu. Como ele estava assistindo a um filme de guerra, logo perguntei “Quem é o do mal?”. Se eu iria assistir a um filme de guerra, era primordial saber quem era do bem e quem era do mal. Afinal para quem eu iria torcer? Por isso, naquela época, não fiquei muito satisfeito com a resposta de meu amigo de que não existia essa coisa de “do bem ou do mal” numa guerra. Embora naquele filme, como comumente ocorre nas produções cinematográficas, o bem e o mal estivessem bem destacados e delineados.

Embora distinguir o mundo entre coisas “do bem ou do mal” pareça coisa de criança, isso é bem comum no nosso mundo dito adulto e maduro. Essa vontade rotular as coisas entre bem e mal perpassa nossos sentimentos, principalmente quando há uma tensão envolvida. Afinal, alguém precisa ser o responsável, não é?!?

Talvez um bom exercício para verificar nosso olhar imparcial sobre os fatos é assistir aos filmes “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”, que retratam de perspectivas diferentes o ataque americano à ilha de Iwo Jima, durante a Segunda Guerra Mundial. Enquanto assistia ao filme “A Conquista da Honra”, literalmente torcia pela vitória do americanos e para que os personagens do filme se mantivessem a salvo. Em seguida, no outro filme, torcia pela resistência dos japoneses com o mesmo afinco ou mais do que eu tinha torcido pelos americanos no filme anterior. Os dois filmes simplesmente me fizeram me posicionar de formas diferentes a respeito de uma mesma guerra. Isso é facilmente compreensível quando levamos em conta de que, durante cada um dos filmes, nos afeiçoamos aos personagens e eles extrapolam aos rótulos de suas nacionalidades. Dessa forma, esse sentimento e simpatia para com os personagens nos fazem torcer por eles.

Talvez esse seja nosso grande desafio no mundo real. Extrapolar os preconceitos, os rótulos e as pressuposições sobrepostas sobre cada pessoa, e descobrir o valor inerente de cada um. Logicamente não nos daremos bem com todo mundo e teremos simpatia por todos os que nos rodeiam, mas ao menos deveremos estar sensíveis ao choro que se esconde por detrás de uma atitude aparentemente dura, o medo por detrás da mentira, o desencanto e descontentamento por detrás da frieza implacável. Afinal, não vivemos em um mundo de mocinhos e vilões.

Mais do que a dinâmica de dois países em guerra ou da relação entre carrasco e explorado, tensões do tipo “quem está com a razão X quem não está” permeiam nossos relacionamentos, sejam eles familiares, amorosos, profissionais, religiosos, etc. Dessa forma, o “desafio do extrapolamento” é muito maior e muito mais profundo. Não sejamos ingênuos em ignorar os dois lados da história. Ou melhor, como aprendi com uma amiga jornalista nesse final de semana, não existem apenas dois lados da história. Toda história tem múltiplos lados. Assim, termino esse POST com o poema “Rejeição” de Carlos Drummond de Andrade, que questiona um pouco essa questão de se posicionar apenas sob a perspectiva de um lado da história.


Rejeição

Não sei o que tem meu primo
que não me olha de frente.
Se passo por sua porta,
é como se não me visse:
parece que está na Espanha
e eu, velhamente, em Minas.
Até me virando a cara,
a cara é de zombaria.
Se ele pensa que é mais forte
e que pode me bater,
diga logo, vamos ver
o que a tapa se resolve.
A gente briga no beco,
longe dos pais e dos tios,
mas briga de decidir
essa implicância calada.
Qual dos dois, mais importante:
o ramo dele, o meu ramo?
O pai mais rico, quem tem?
Qual o mais inteligente,
eu ou ele, lá na escola?
Namorada mais jeitosa,
é a minha ou é a dele?
Tudo isso liquidaremos
a pescoção, calçapé,
um dia desses, na certa.
Sem motivo, sem aviso,
meu primo declara guerra,
essa guerrinha escondida,
de mim, mais ninguém, sabida.
Pode pois uma família
ser assim tão complicada
que nós dois nos detestamos
por sermos do mesmo sangue?
Nossas paredes internas
são forradas de aversão?
Será que o que eu penso dele
ele é que pensa de mim
e me olha atravessado
porque vê na minha cara
o vinco de zombaria
e um sentimento de força,
vontade de bater nele?
Meu Deus, serei o meu primo,
e a mesma coisa sentimos
como se a sentisse o outro?
(Carlos Drummond de Andrade)

Tuesday, March 11, 2008

Por meio dos

I
N
C
O
N
V
E
N
I
E
N
T
E
S

da vida.....


A vida não pára quando temos coisas importantes para fazer. Somos vezes ou outra surpreendidos por perguntas que não queríamos ouvir, por questionamentos que preferiríamos não ter, por sentimentos inquietantes, pelo medo do novo, pelos velhos hábitos e defeitos. Coisas para as quais parece não haver hora conveniente. Por isso mesmo talvez as tratemos por inconvenientes.


São Carlos - 11 de março de 2008

Tuesday, September 18, 2007



Compaixão

(Para ver a reportagem referenciada clique na figura - Revista Mãos dadas)



Os ombros se descobriram pesados
A noite fria e o vento seco
O silêncio ecoou por todo canto
abalando a melodia do velho canto
Olhares
hesitaram em se encontrar
Vergonha, culpa, decepção
O Eu abandonando o Nós
O corpo cansado, a vida jogada
Mas o céu azul novamente brilhou
No inesperado encontro do ombro e da mão
O companheirismo brotando no deserto
Gesto amigo, apoio, suporte
A vida reencontrando o seu valor
A cada encontro amigo da mão e do ombro.

(31 de agosto de 2007)







Espelho do Banheiro


Girl Before A Mirror, 1932 by Pablo Picasso



Do banheiro, um espelho.
Do espelho, um rosto
refletido, dia após dia
no espelho do banheiro

Traços que desabrocham,
Rugas desenhadas e retocadas
no nascer de cada estação
em meio a ciranda dos dias

O olhar que não é triste
Alegre tampouco
Apenas mais maduro e pesado
Acostumado a sobreviver

Thursday, September 06, 2007


Quando entrar setembro.....




Desejo que nesse setembro o perdão brote no meu coração. Bem como que ele bata de maneira mais calorosa e humana para com os que me rodeiam e para comigo mesmo. Que o sol de primavera ilumine as nossas amarguras e que essas enfim saiam de cena para que o amor possa bailar no palco de nossos relacionamentos. Que o julgamento siga o caminho que julgar melhor, porém que fique longe de nossas casas, das conversas a beira da fogueira e de nossas danças de alegria. Que nossas feridas nos ensinem a como levar nossa vida de maneira mais leve e mais significativa. Que voltemos nosso foco para o que realmente interessa. Que saibamos distinguir o que realmente interessa. E que eu volte a apreciar o seu sorriso brincalhão, as suas piadinhas sem graça, o seu jeito de falar mansinho e com jeitinho, o seu jeito sem noção de ser, o seu jeito pés pelas mãos, o seu jeito simpático de ser. Que eu me descubra novamente em você e que o nós me ensine novamente o significado da palavra amor. Amor iluminado pelo sol de primavera.


Se tudo isso for pedir demais, e realmente para ser, só queria ver brotar o perdão em nossos corações e que a gente reaprendesse a invertar novas canções....


Sol de Primavera
Beto Guedes e Ronaldo Bastos

Quando entrar setembro
E a boa nova andar nos campos
Quero ver brotar o perdão
Onde a gente plantou
Juntos outra vez

Já sonhamos juntos
Semeando as canções no vento
Quero ver crescer nossa voz
No que falta sonhar

Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim não custa inventar
Uma nova canção
Que venha nos trazer
Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender

Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim não custa inventar
Uma nova canção
Que venha trazer
Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender

Saturday, August 25, 2007

Baú de confusões

As mesmas paisagens no caminho
Seguimos agora juntos, na mesma direção
Enquanto teu sorriso sincero
E o brilho do seu olhar
Mais e mais enamoram meu ser


Para te proteger, juras eu faria
Perigos também enfrentaria
Na escuridão da noite fria
Se quisesses iria ao teu lado
Até aquela nossa estação


Um engano, porém, paira entre nós
Quando falamos de baú
Palavras pesadas e desencontradas
Baú que é meu, pensas que é teu
Não entendo tamanha confusão


Se quisesses, abriria o meu baú
E lhe mostraria o tesouro ali contido
Encontrarias jóias que não se estimam
Colhidas em meio a sorrisos e lágrimas
Em dias repletos de significado


Mas a sua conversa me cansa
Quando falas de coisas que não conheces
Laçando olhares amargos e tristes
Sobre meu caminho, fé e esperança
Depositados todo dia no meu velho baú



O teu baú eu desconheço
Então não mais o confundas com o meu
Do que contas, o teu é sombrio
Cultiva mofo e teias de aranha
Desilusão, caminhos de decepção

Podemos falar de moda
Cantar velhas canções
Jogar conversa fora
Mas, por favor, não insistas mais
Em confundir nossos baús


O teu e o meu não são um
Apesar de terem a mesma cor
Viveram, porém, de maneiras diferentes
Por isso sei que a culpa não é sua
Mas já me cansei de toda essa confusão

Wednesday, August 22, 2007

Tempestade

Nesse post resolvi colocar um texto (que ouso chamar de poema) que intitulei de "Lá no fundo eu sei" (poema está no final do post depois da figura). Ele é fruto de algumas inquietações pelas quais tenho passado quando penso a respeito de como as vezes nos perdemos em nós mesmos, em tantas discussões, em tantas disputas, em tantas suspeitas. Nos perdemos do outro ao invés de nos encontrarmos no outro. É triste quando vivenciamos isso.

É incrível como as pessoas começam a ficar desumanizadas quando tentamos desvendá-las, julgá-las, analisá-las. Começamos a olhar para atitudes e nos esquecemos de que um coração bate e de que um peito sente frio por de trás de algumas atitudes erradas, outras precipitadas, outras fruto de um auto-engano. Perdemos pouco a pouco a capacitade de amar.

Quando alguém que nos é querido comete alguma atitude errada, o amor genuíno toca em nosso peito. Sentimos vontade de entender o que realmente se passou, o que levou àquela atitude desenfreiada. Nos colocamos em nossos lugares de companheiros e não de juízes. Porém, quando, ao invés disso, permanecessemos em nossos postos de olhares atentos, prontos para julgar (seja porque a pessoa não nos é querida ou outro motivo qualquer), nosso coração passa a bater mais gelado e colocamos a atitude acima do ser - da pessoa. Quando analisamos e julgamos, deixamos com que a figura humana da pessoa vá se esmaecendo em nossas mentes e corações. Acabamos por desumizar a pessoa que pratica/praticou a atitude com a qual não concordamos. E isso nos leva cada vez mais para longe do amor, num ciclo vicioso.

Talvez seja por isso mesmo que Jesus faz vários alertas nos registros dos evangelhos a respeito do perigo de se julgar o próximo. Pois esse é o caminho que nos leva para longe do amor, do primeiro amor - o amor por Cristo, de Cristo e que nasce em nós por meio de Cristo. E é para lá que devemos correr quando nos percebemos agitados e inquietos por causa de situações nas quais os personagens estão perdendo os rostos, as lágrimas e os sorrisos. Devemos correr para lá - para o primeiro amor - e deixar que ele renasça em nossas vidas e nos desvende os olhos para tanta humanidade ao nosso redor, que por se humana é também falha e passível de erros terríveis. Mas nem por isso deixa de ser alvo do amor, afeto e misericórdia de Deus, aquele que consegue enxergar um humano por de trás de uma prostituta, um cobrador de impostos e um fariseu hipócrita.

Quando nos perdemos desse amor genuíno e que enxerga além, por de trás das atitudes e preconceitos, nosso andar se torna árido de emoções e inundado de decepções. Temos ainda nossas boas causas e nossas bandeiras a levantar, mas os passos se tornam mais difíceis a cada centímetro, pois perdemos o foco. Vamos pouco a pouco nos perdendo do amor, nos perdendo em nós mesmos e nos perdendo do outro. Vamos caminhando já cegos e percebemos então estar perdidos. E é esse o sentimento que despertou o texto que escrevi abaixo - Lá no Fundo eu sei.

Deixemos que a tempestade enganosa de nosso coração vá se dissipando e que a verdadeira luz ocupe nossas mentes e corações.

"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. (Evangelho de João, capítulo 1, versículos 1 a 5)








Lá no fundo eu sei


Ás vezes os sentimentos vem e vão
Vendaval, trovoadas e furacão
Neblina que o olhar obscurece
Ao dar a volta por baixo na
Queda que nem se reconhece


A esperança, eu sei, não morreu
Mas estremece como quem perdeu
O último bonde para a terra escondida
Cuja rota se dissolveu nas lembranças
E nas marcas da pele envelhecida


As trilhas sonoras, por coincidência,
Vibraram menos naquela freqüência
Que perdeu o ritmo e a emoção
Estremecendo nossos compassos
Confundindo as notas da canção


Optamos, mesmo assim, por não desistir
Fazer valer e tentar seguir
O conhecido e famoso dito popular
Desesperar jamais
Entregar o jogo, nem pensar!


Mas agora os pés vacilam
A alegria e o ânimo sumiram
Os lábios dão sorrisos entristecidos
E os abraços tímidos nem de longe lembram
A plenitude dos beijos embevecidos


Talvez tenhamos mesmo sido confundidos
Por modelos que hoje se mostram falidos
Rotas e caminhos que nos têm levado
Para longe Daquele que é conhecido
Simplesmente por ter amado


Hoje não sei ao certo qual caminho trilhar
Talvez parar, seguir ou mesmo voltar
Mas lá no fundo eu sei
Que o porto seguro é o primeiro amor
Sim, é para lá que eu seguirei



Ivan e Paulo

Depois de algum tempo sem 'postar' nada no blog, resolvi colocar um devaneio da minha cabeça que se deu numa tarde de sábado - 14 de julho de 2007 - enquanto preparava alguns experimentos para o Workshop de Aprendizado de Máquina que eu participei em julho. Inicialmente mandei esse texto em forma de e-mail para a diretoria regional (SP/MS) da ABU - Aliança Bíblica Universitária - logo após termos partilhado de algumas dificuldades pelas quais passávamos, enquanto grupo e enquanto pessoas.

Como estávamos estudando a primeira carta de Paulo a Timóteo (I Timóteo) para o Curso de Férias da ABU - realizado em julho de 2007, fiz uma ponte (que está mais para uma viagem) entre partes da carta que falaram ao meu coração e a letra da música Novo tempo - Ivan Lins, que ouvi naquele sábado a tarde.

Segue o e-mail e o texto contido nele.


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OI pessoal....

Apesar das dificuldades,

Mantenhamos nossa esperança no Deus vivo.
"pois esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis". (I Timoteo 4:10)

e Joelhos no chao.
"ADMOESTO-TE, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões, e ações de graças, por todos os homens" (I Timoteo 2:1)

Pois os olhos do Senhor veem além.

Abaixo fiz um diálogo de I Timoteo com uma musica do Ivan Lins, que me fez pensar muito em tudo o que temos vivido e na esperança que tem que ser depositada no Deus vivo.

Viagens de sabado a tarde em meio a alguns experimentos computacionais que tenho que deixar pronto antes de viagem de fato.

abraços e amo vcs
Du


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Ivan Lins - Novo Tempo


No novo tempo, apesar dos castigos

Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos

Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer



[aos anciãos, mas admoesta-os como a pais;

aos moços como a irmãos;

As mulheres idosas, como a mães,

às moças, como a irmãs, em toda a pureza.
I Timoteo 5:1-2]
 
[Se algum crente ou alguma crente tem viúvas,
socorra-as.
I Timóteo 5.16]


No novo tempo, apesar dos perigos

Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na

luta



[Pois para isto é que trabalhamos e lutamos. I Timoteo 4:10]



Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver



Pra que nossa esperança seja mais que a vingança



[pois esperamos no Deus vivo,

que é o Salvador de todos os homens,

principalmente dos fiéis.
I Timoteo 4:10]



Seja sempre um caminho que se deixa de herança



[a piedade para tudo é proveitosa,

tendo a promessa da vida presente

e da que há de vir.
I Timoteo 4:8]





No novo tempo, apesar dos castigos

De toda fadiga, de toda injustiça, estamos na briga

Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer



[Mas, se alguém não tem cuidado dos seus,

e principalmente dos da sua família,

negou a fé, e é pior do que o infiel.
- I Timoteo 5:8]



No novo tempo,
apesar dos perigos

De todos os pecados, de todos enganos, estamos marcados
Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver



[isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, 
Que quer que todos os homens se salvem, 
e venham ao conhecimento da verdade. 
Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, 
Jesus Cristo homem. I Timoteo 2:3-5]


No novo tempo, apesar dos castigos

Estamos em cena, estamos nas ruas, quebrando as algemas

Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer



[Que façam bem, enriqueçam em boas obras, 
repartam de boa mente, e sejam comunicáveis;

Que entesourem para si mesmos um bom fundamento
para o futuro, para que possam alcançar a vida eterna.
I Timoteo 6:18-19]




No novo tempo, apesar dos perigos

A gente se encontra cantando na praça, fazendo pirraça
 
[Ora, o fim do mandamento é o amor de um coração puro, 
e de uma boa consciência, e de uma fé não fingida. I Timóteo 1:5]



Friday, June 01, 2007

Metade de mim agora é assim......



Há algum tempo abaixo ouvi a música Hand In My Pocket de Alanis Morissette (letra abaixo) e achei muito interessante. Ela fala um pouco de como às vezes me sinto, um amontoado de paradoxos. Pensamentos que volta e meia são recorrentes para mim. Mas o que é engraçado (se é que essa é a palavra certa para expressar o que eu quero dizer), é que ultimamente olhar par a questão dos paradoxos tem estado dissociado do peso e da carga que costuma estar ligada. Mas não seria esse então mais um paradoxo? Deveriamos fugir deles?

I'm broke but I'm happy
I'm poor but I'm kind
I'm short but I'm healthy, yeah
I'm high but I'm grounded
I'm sane but I'm overwhelmed
I'm lost but I'm hopeful baby

An' what it all comes down to
Is that everything's gonna be fine fine fine
'Cause I've got one hand in my pocket
And the other one is giving a high five

I feel drunk but I'm sober
I'm young and I'm underpaid
I'm tired but I'm working, yeah
I care but I'm restless
I'm here but I'm really gone
I'm wrong and I'm sorry baby

An' What it all comes down to
Is that everything's gonna be quite alright
'Cause I've got one hand in my pocket
And the other is flicking a cigarette

And what is all comes down to
Is that I haven't got it all figured out just yet
'Cause I've got one hand in my pocket
And the other one is giving the peace sign

I'm free but I'm focused
I'm green but I'm wise
I'm hard but I'm friendly baby
I'm sad but I'm laughing
I'm brave but I'm chicken shit
I'm sick but I'm pretty baby

And what it all boils down to
Is that no one's really got it figured out just yet
I've got one hand in my pocket
And the other one is playing the piano
What it all comes down to my friends
Is that everything's just fine fine fine
'Cause I've got one hand in my pocket
And the other one is hailing a taxi cab...
(Hand In My Pocket- Alanis Morissette)

Na verdade, acredito eu, todos nós carregamos alguns paradoxos dentro da gente. Sentimentos que às vezes são ambíguos ou mesmo se contrariam. Na verdade acho que nossa maior fuga dos paradoxos é porque buscamos nas nossas certezas absolutas o fôlego para continuar em frente. Na verdade acreditamos que se não nos questionarmos, se as respostas estiverem sempre na ponta da língua, se não houverem conflitos, teremos nossa identidade assegurada. Identidade baseada, muitas vezes, na superficialidade da existência.

É certo que devemos complicar menos. Então, não acredito que devemos caminhar em direção aos conflitos, ou que devemos inventar conflitos. Apenas acredito que podemos encarar as coisas com muito mais leveza a medida que pararmos de mentir para nós mesmos a respeito do nossos reais conflitos e ambiguidades. Talvez assim pudessemos olhar para a palavra PARADOXO e não encará-la com a carga negativa que a atribuímos hoje. E talvez assim poderiamos parar de fugir de nós mesmos. Mesmo porque, por mais que usemos máscaras e tapemos nossas rugas com maquiagem, é certo que não conseguiremos fugir de nós mesmos. Pois como diz em um verso de uma música que ouvi em certo show, "tentei fugir de mim, mas para onde eu ia eu tava".

Um escritor que me chamou a atenção ultimamente pelo seu jeito peculiar de encarar as coisas e a si mesmo é o Brenna Manning. Mesmo as opniões sobre eles são um paradoxo - alguns amam, outros torcem o nariz. Mas algo que para mim tem sido libertador, é perceber que admitir-se na integridade do que se é, não é neccessariamente um atestado de insanidade. Quando digo admitir-se, isso tem muito mais a ver com a relação que temos com nós mesmos, do que com essa ou aquela postura que tomamos diante dos outros com o intuito de nos afirmarmos ou então nos expormos.

"admito que sou um amontoado de paradoxo. Creio e duvido, tenho esperança e sinto-me desencorajado, amo e odeio, sinto-me mal quando me sinto bem, sinto-me culpado por não me sentir culpado. Sou confiante e desconfiado. Honesto e ainda sim insincero. Aristóles diz que sou um animal racional; eu diria que sou um anjo com um incrível potencial para cerveja"
(Trecho do livro "O Evangelho Maltrapilho" - Brennan Manning)

Na verdade a questão chave é que nossa identidade não está na ausência ou na presença de conflitos. Logo nossa felicidade e significado também não se encontram em nenhuma dessas duas coisas. Nossa identidade é criada e firmada naquilo que se constitui na essencia da nossa existência. E nossa essência só pode ser encontrada naquele em que subexistimos, Jesus. Só ele pode nos conferir nossa real identidade. E é nessa identidade que devemos no firmar para continuar caminhando. Caminhada essa que passa então a ser marcada pela questão do seu real significado, embasada no que realmente confere sentido à nossa existência e não no fato de termos respostas para tudo, pois isso seria no mínimo loucura. Não temos todas as respostas, na verdade ás vezes temos bem poucas, bem menos do que gostaríamos de ter. Como olhamos para isso? Devemos fingir ter as respostas e continuar caminhando com a consciencia tranquila?

Realmente acredito que a vida pode ser levada com mais leveza. E isso não significa nem superficialidade, nem alienação, nem irresponsabilidade e nem fuga. Leveza tem a ver com sinceridade - com a gente mesmo e com Deus, integralidade e sobretudo com a confiança de que o nosso foco e esperança devem estar em Cristo e não em qualquer outra coisa, seja ela uma aparente paz ou um conjunto de pretensas respostas para tudo.

Dessa forma, termino essa reflexão sem a pretensão de trazer muitas conclusões e respostas. Deixo apenas mais duas composições que acredito que podem contribuir bastante para essa discussão: a poesia METADE do Oswaldo Montenegro e um trecho da música O ANJO MAIS VELHO do Teatro Mágico.

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
pois metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
mesmo que distante
porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que falo
não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimento
porque metade de mim é o que ouço
mas a outra metade é o que calo
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
e a outra metade um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
que me lembro ter dado na infância
porque metade de mim é a lembrança do que fui
e a outra metade não sei
Que não seja preciso mais que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o teu silêncio me fale cada vez mais
porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço
Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
porque metade de mim é platéia
e a outra metade é a canção
E que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor
e a outra metade também.
(Metade - Oswaldo Montenegro)


“Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim”
(Trecho de "O Anjo mais velho" - Fernando Anitelli)

Wednesday, May 30, 2007

O Coração Peregrino

De lá para cá
Sentindo-se em casa

Ali, aqui, acolá
Só por hoje
Amanhã, quem sabe

Os mesmos ventos
Ás vezes trazem novos ares
Alguns que descem secos
Outros vem como brisa suave
ao soluço da partida de ontem

A vida vai seguindo
E por trás dos olhos
mudanças, movimentos
Encontros e desencontros
de velhos e novos olhares

De repente as cenas mudam outra vez
Por vezes trazem novos rostos
Novas situações
E as mesmas batidas ansiosas

do coração do menino
em prece por permanência

Mas o peregrino sabe
Depois de noites quentes,
ardentes e profundas
O amanhã e a manhã ás vezes trazem
Mesmo que contra a vontade
O convite inesperado para seguir

Novos caminhos, velhos passos

Marcados pela certeza do que foi
E iluminado pela esperança do que virá
Até quando lá chegar e repousar
O coração peregrino


30 - maio - 2007


( O peregrino sobre o mar de brumas. Casper David Friedrich, 1818)


Depois que coloquei esse POST ouvi essa música que segue abaixo (Sinal dos Tempos) , que acho que tem bastante a ver com o que eu escrevi. Então, resolvi editar a postagem e acrescentar a letra da musica. Uma segunda opinião sempre é bem vinda. Por que "mesmo com sono mesmo cansado" às vezes "é preciso atravessar lá fora". Mesmo que esse lá fora esteja no interior do nosso interior. São movimentos que fazemos, movimentos que fazem nossos corações peregrinos.


"É preciso fazer uma canção
Um trato, uma entrega, uma doação
É preciso a chuva escura, a noite
A solidão
É preciso tudo agora
Um dissabor uma vitória uma confissão
A voz de um instrumento e a tua mão
Que nos faça acordar
Sim
Meias palavras não bastam
É preciso acordar
É preciso mergulhar mais que mil pés
Onde Netuno traça o rumo das marés
É preciso acertar a direção dos pés
Quando os velhos caminhos se esgotam
E os tempos não voltam
Não voltam
É preciso alcançar outra estação
Mesmo com sono mesmo cansado solto como um cão
É preciso o sol e a rua a tarde
A multidão
É preciso Atravessar lá fora
Um corredor um rio da história uma revolução
O caos de uma palavra nova, um sim e um não
Que nos faça acordar
Sim
Meias palavras não bastam
É preciso acordar
É preciso mergulhar..."
(Sinal dos Tempos - Totonho Villeroy)

Monday, May 28, 2007

De Paulo para Manoel.......

....... de Manoel para Paulo




UBIQÜIDADE

Estás em tudo que penso
estás em quanto imagino
estás no horizonte imenso
estás no grão pequenino
estás na ovelha que pasce
estás no rio que corre
estás em tudo que nasce
estás em tudo que morre
em tudo estás, nem repousas
os ser tão mesmo e diverso
eras no início das coisas
serás no fim do universo
estás na alma e nos sentidos
estás no espírio estás
na letra
e os tempos cumpridos
no céu
no céu estarás

(Manoel Bandeira)



"porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele subsistem todas as coisas;"

(Bíblia - Carta de Paulo aos Colossences, capítulo 1, versículos 16 à 17)


Estariam Paulo e Manoel falando da mesma coisa? Sabemos que Paulo fala de Jesus, a quem chama de "o princípio". Já Manoel fala de um "você" que está em tudo e que "era no início das coisas" e por assim ser ele consegue enxergar esse "você" em tudo o que vê e o que pensa. Estaria ele também falando de Jesus? Essa é uma pergunta.

Mas melhor pergunta do que essa é "o que o fato alguém estar presente em tudo ou tudo nele existir modifica a minha visão do tudo?". Hum..... Muitos tudos para a mesma pergunta? Mas quem sabe tudo isso não faça algum sentido.

"Será que alguma coisa
Nisso tudo faz sentido
(...)
Será que existe alguém
Ou algum motivo importante
Que justifique a vida
Ou pelo menos esse instante"
(George Israel/Bruno Fortunato/Leoni)

Quem responderia a perguntas como essas? Como julgo que perguntas são melhores do que respostas, lanço assim mão de uma nova pergunta:

No que o poema de Manoel Bandeira e a afirmação de Paulo poderiam contribuir para isso? Afinal, a busca pelo significado é um grito que ecoa em todos os corações, mesmo quando não nos damos conta disso.


Sunday, May 06, 2007


Do lado de cá

Vitória, Vila Velha, Viana, Domingos Martins, Guarapari
Nomes de cidades entre tantas outras
Agora, porém, carregados de significado e suspiros saudosos
Lembranças de dias não apenas vividos, mas também saboreados

Daqueles preciosos momentos em terras capixabas
Imagens gravadas em nossos peitos e recordações
O assombro diante da beleza da criação
Beleza tamanha, difícil de se expressar!

A vista do alto da serra
A rubra lua nascendo entre os coqueiros
A beleza natural de trilhas e quedas d’água
A vida brotando no manguezal

Tempo de se admirar, tempo também de celebrar
Celebração da vida e da companhia de bons amigos, mui queridos
Brindes, conversas, brincadeiras e confissões
Ao som do rio da montanha e regados de bom gosto musical

Laços que se formam, laços que se estreitam
A sensação de pisar um chão diferente
E de se estar em um universo paralelo e escondido no meio do nada
Quase que perdido por de lá do portal da vida agitada

Do lado de cá firmamo-nos na esperança do que virá
E na certeza de que "mesmo se nada mais existir
Ainda resta a nossa história"
Agora mais recheada desses dias com sabor de muqueca capixaba

Graças a Deus

Friday, March 30, 2007

O milagre que eu esperei nunca me aconteceu!!!!


Essa semana estou chengando a conclusão de que às vezes o milagre que queremos dificilmente acontece, pois muitas vezes queremos algo que nos leve para longe de nós mesmos. "Cada um sabe da dor traz no coração" e é exatamente lá que queremos mexer... que queremos nos afastar. Mas talvez não pensemos que possam ser as lágrimas derramadas por essa dor que alimentem a circulação sanguínea daquilo que realmente somos, o sangue que nos deixa de pé. Se pudessemos com certeza fugiríamos de nós mesmos, porque muitas vezes somos tão vis que se torna bem difícil conviver com a gente mesmo. E realmente é. Talvez porque estejamos tão ocupados em representar algo que não somos ou querer ser algo tão longe daquilo que somos.
Possivelmente concordemos lá em nosso íntimo com o velho Hagar.



Triste sina essa de encontra-se rejeitado por nós mesmos. Por isso, como Francisco de Assis, "eu oro por uma santa humildade, a habilidade de ver e aceitar a mim mesmo como sou". E na verdade isso só é possível mesmo por que simplesmente somos aceitos por aquele que nos criou, Deus. Ele nos ama mesmo na nossa busca incessante pela fuga, que nos faz até perder de vista aquilo que realmente somos. E é nele que encontramos o referencial para a reconciliação como nosso eu. "A fé significa que o ser, ao ser ele mesmo e desejar ser ele mesmo, descansa transparentemente em Deus" (Kierkegaard, In. Mentoria Espiritual).

"Ele [Deus] é amor, e a extensão do seu amor vai até a graça. Está disposto a perdoar os que o odeiam e descobrir um meio de abraçar os sujos e pequenos maltrapilhos. Ele na verdade os ama - e nós somos eles" (Larry Crabb - Chega de Regras - pag 154)

A nós, maltrapilhos, sejam os conselhos dos poetas Anitelli e Fernando Sousa (ver abaixo). E que nessa busca pelos nós mesmos já esquecidos, não deixemos-nos esquecidos na última ESTAÇÃO. E que então encontremos a água fria do peixe vivo e a verdadeira companhia. Pois, "como pode um peixe vivo viver fora da água fria? Como poderei viver sem a tua companhia?"


"Viva a tua maneira
Não perca a estribeira
Saiba do teu valor

E amanheça brilhando mais forte
Que a estrela do norte
Que a noite entregou!"
(Trecho de Camarada Dágua - Fernando Anitelli e Danilo Souza)



"Não há de ser nada, pois sei que a madrugada acaba, quando a lua se põe
O abraço de vampiro é o sorriso de um amigo e mais nada
Não há de ser nada, pois sei que a madrugada acaba, quando a lua se põe
A estrela que eu escolhi não cumpriu com o que eu pedi
e hoje não a encontrei
Pois caiu no mar, e se apagou
Se souber nadar, faça-me o favor
O milagre que esperei nunca me aconteceu
Quem sabe é só você
Pra trazer o que já é meu
(x2)

Brilha onde estiver
Faz da lágrima o sangue que nos deixa de pé (x2)"

(Brilha Onde Estiver - Fernando Anitelli)

Tuesday, March 27, 2007

Uma velha paixão ...

tão presente como todas as velhas paixões sempre são ...

... e um pouquinho de legião.



Giz

Legião Urbana

Composição: Renato Russo

E mesmo sem te ver
Acho até que estou indo bem
Só apareço, por assim dizer
Quando convém aparecer
Ou quando quero
Quando quero

Desenho toda a calçada
Acaba o giz, tem tijolo de construção
Eu rabisco o sol que a chuva apagou
Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
Pra ser honesto
Só um pouquinho infeliz

Mas tudo bem
Tudo bem, tudo bem...
Lá vem, lá vem, lá vem
De novo
Acho que estou gostando de alguém
E é de ti que não me esquecerei
Está tudo bem, tudo bem...
uh...uh...


E aproveitando o clima de flores da capa dos saudosos legionários e para não dizerem que não falei das flores....

Flores, flores... que de plástico não morrem.



Para uma menina como uma flor

Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, que aliás você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.
E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você quando sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre num nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, como uma santa moderna, e anda lento, a fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der aquela paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.
E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara– na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.
E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as outras mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse, cantando sem voz aquele pedaço em que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.
E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora – tão purinha entre as marias-sem-vergonha – a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nestas montanhas recortadas pela mão presciente de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos – eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações – porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.

Vinícius de Moraes

in "Para uma menina com uma flor (crônicas)"
in "Poesia completa e prosa: "Para uma menina com uma flor""



Wednesday, March 14, 2007


No ritmo dos loucos


"Serão os céus conspirando contra a sanidade
Decepções e frustrações vêm e vão
Mas o que fazer com um coração aflito?


Discussões inúteis, testas franzidas em vão
A cólera despertada para depois ir embora
E ainda nem sei onde entra a outra face


Queria mesmo é reinvidicar todos os meus direitos
Jogar na cara a fragilidade de todos os argumentos
Fazer-me ouvir e usar com astúcia as armas ao meu alcance
Mas ainda permanece a sombra da outra face


Ah! Meu coração quer ser cruel, sabe ser!
Talvez assim ele se sinta mais aliviado
Saborear a vingança recheada de certezas e precedentes
Malditos precedentes! Estariam eles do outro lado do tapa?


No final das contas, quero ser mesmo humano
Já que forte descobri não ser
E que esse não seja mais argumento inútil
Que se queira fazer valer



Ás vezes me resta apenas gritar
De vez enquando, de quando em sempre
Dançar a insanidade assim devagar
No ritmo dos loucos, na leveza do caminhar"



APROVEITANDO A DEIXA, UM POUCO DE LEVEZA E CALVINISMO NÃO FAZEM MAL A NINGUÉM






Tuesday, March 06, 2007

Um de dois

Os suspiros apaixonados

A arrepio da pele tocada

Olhos que se encontram

Olhos que brilham


A respiração ofegante

Os pensamentos vagando

Fantasias, anseios

Encontro de almas

Dois corpos


Celebremos o amor, o calor

Celebre o seu amor, celebre o meu amor

Do amor de dois, continuemos a acreditar

Amor sempre presente

Mesmo que ausente


A beleza ao redor a se revelar

Saltitam risos espontâneos

O sol mais brilhante

Inspiração de poetas

Melodia de músicos

Olhares embevecidos

Desejo, ternura, dois, um.