Segundo parto
Havia alguma coisa diferente naquele dia
Eu podia sentir o ar húmido e pesado
alargando minhas narinas
e oprimindo os meus pulmões
Eu queria que o sol me abraçasse
e com seus raios aquecessem e adornassem a minha pele
Mas, por escárnio ou vergonha,
ele se escondeu de mim
Deixando as nuvens transparecerem a sua ausência
O barulho das ondas se lançando contra a areia
se juntava à chuva escorrendo pelo telhado
produzindo uma música amarga,
que me aprisionava no meu medo
E na minha garganta enrolava o não dito
As janelas se espremiam
As portas de estreitavam
O chão se alargava
O teto se aprofundava
Corri para fora como uma presa que salta da boca da besta
agarrei meu guarda-chuva,
que encostado na porta,
parecia anunciar a minha fuga enchuvarada
Ao alcançar a praia, dei descanso as minhas pernas
E o mar e o infinito silenciavam o meu grito
O guarda-chuva os meus ombros da chuva fria protegia
E minhas lágrimas, pesadas e postergadas, regavam os meus pés cansados
Havia o mundo me abandonado?
Foi quando eu senti um toque suave no meu ombro
uma respiração conhecida se achegando
sua presença me aconchegando
Com seus olhos, igualmente maternais e fraternais,
ela ouviu tudo naquele instante,
sem eu dizer nenhuma palavra
sem mesmo tentar articular meus lábios
Lado a lado caminhamos de volta para nossa casa
com suas portas largas e suas janelas ventilantes
Foi então que eu ouvi a rima rara
de um segundo parto
que todos os elementos desenharam pra mim!