Thursday, August 23, 2018
Na cadeira
Sentado em um canto da rodoviária eu vejo um menino negro, de uns 15 anos, camiseta, calça jeans, chinelos de dedo, uma sacola de papel com livros dentro. De repente um homem de uns 35 anos, boné, camiseta polo, e calça jeans aproxima-se falando no celular. Ele anda em direção ao menino, sem tirar a atenção da conversa no celular. Ele para em frente ao menino, interrompe a ligação telefônica e diz, sem alteração de voz, com um ar automático de quem vem dar instruções: sente-se em uma das cadeiras no outro lado do saguão. O menino não argumenta. Imediatamente obedece a "ordem", levanta-se e se dirige ao setor de cadeiras. O homem continua falando no celular e para em frente ao banheiro. Eu me dirijo a ele e pergunto: senhor, por favor, você trabalha aqui? Ele responde: não. E continua a conversa no telefone.
Mato Grosso
Estou preocupado com o Mato Grosso
Hoje, ao ir ao banheiro da academia, escutei um rapaz de uns 35 anos conversando ao telefone. Ele estava inconformado.
Ele dizia que tinha ido à missa na igreja aqui em Ribeirão Preto e que quando o padre começou a missa, ele logo percebeu que o padre parecia uma moça. Que aquilo não podia. Que aquilo era um desrespeito.
Disse que no Mato Grosso os padres são todos mulherengos. Eles catam um monte de mulher.
Mas o padre da missa que ele foi parecia uma moça. Como podia? Que desrespeito! Jesus não era assim. No Mato Grosso não é assim.
Buzinas
Hoje passei de bicicleta em frente a um motel de beira de estrada. Haviam duas mulheres sentadas na entrada do motel e uma terceira mulher em pé mais a frente, perto da saída para a pista. Logo após passar de bicicleta pela terceira mulher ouvi quando um carro buzinou ao passar por ela. O motorista não buzinou como um sinal que iria parar para oferecer ou pedir algo à mulher. Ele apenas buzinou e seguiu. Foi então que me lembrei que algumas pessoas são "buzináveis" ou "mexiveis", apenas por serem ou estarem. É buzina para o que se acha bonito. É buzina para o que se acha ridículo. É buzina para o que incomoda. É buzina para o que é diferente. É buzina pela roupa curta. É buzina para as gays dando pinta. É buzina para as meninas beijando. É buzina para mulher. É buzina para o que lembra mulher.
Dialogs in Montreal
At the hostel bar a friendly and very talkative German guy shows us another German playing pool.
"You see that guy with the blue shirt. He was talking a lot of bullshit yesterday. He is a fucking racist."
A Swiss girl and I try to look in the direction of the pool table as casually as possible. The guy continues talking to make his point.
"I don't understand how people are like that. He is half German and half Italian. And his parents lived in Porto Rico. Who is he to say anything anyway?"
...
Ilusões - Parte 1
Ilusões - Parte 1
Personagem central da minha própria história
nem herói, nem anti-herói
Contudo uma boa intenção
uma moral intencionada
um bom coração
Mas não são todos os personagens centrais assim?
Na sua própria perspectiva dos fatos?
Um espírito elevado,
um respeito pelo passado,
transgressões perdoáveis pelo poder do instinto
uma compreensão dos fatos
um entendimento das pessoas
Mas não somos todos elevados
no nossa própria luz do mundo?
Uma outra frequência,
uma nova visão
um novo caminho
a resistência à mesmisse
o andar contra a corrente
Não temos todos um quê de Cervantes,
Quixote, e uma pança?
Saturday, May 19, 2018
Só lamento
Um minuto de silêncio
por gentileza
por toda frieza e toda
avareza
Um momento de silêncio
pela nossa pobreza
e o culto à beleza
Um minuto de silêncio
por favor
por toda dor e falta de
calor
Um momento de silêncio
pelo falso clamor
e as juras de amor
Um minuto de silêncio
seria muito?
pelo ódio gratuito e todo
descuido
Um momento de silêncio
pelo amor fluido
e seu bom intuito
Um minuto de silêncio
você sabe o por quê?
É por você e seu sorriso
blasé
Um momento de silêncio
pela falsa mercê
e seu vocabulário clichê
Um minuto
Um silêncio
Um momento
Só lamento!
(Mogi Mirim, 20 de maio de 2018)
Sunday, May 06, 2018
Me encontro

Ás vezes eu danço, flutuo
Rodo minha saia
Num movimento místico
Sinto meu corpo em plenitude
Arrepiado, ouriçado, e pulsante
De tão terreno
Me desapegado das questões terrenas
Sinto o ar, o pulsar
Livre
Leve
Pleno
Ás vezes me pego como qualquer um
Com sede
Fome
Desejo
Gasto meu batom
No tempo de um cigarro
Livre
Leve
Leviano
Eu.
E então me encontro.
Na minha pequenez
E na minha grandeza.
(Jacutinga, 06 de maio de 2018)
Saturday, March 17, 2018
O que o tempo deixou?
O que o tempo deixou?
- O tempo deixou um tanto de amore quando sobra rancoreu rezo um pouquinhoO tempo deixou o que também passoue quando penso em vocête cuido um pouquinhoO tempo deixou muitos seus pedacinhose quando olho de pertome vejo inteirinhoO tempo deixou novas formas de amare quando me pego a sonharjá avancei um tiquinhoO tempo deixou o que deu pra ficare quando te vejo sorrindome vem é carinhoEduardo Costa, Ribeirão Preto, 17 de março de 2018(Do tapete da sala)
Fonte imagem: https://www.letras.mus.br/rayssa-ravel/389442/
Vi
Vi
Meu peito precisa falar
Minha garganta quer é mais gritar
O mundo gira devagar
E meus olhos não querem piscar
Vi uma criança andando pela rua
Pés descalços, peito ao vento
Seus olhos tinham de um tudo
E um sorriso largado ao pisar na poça d'água
Vi uma senhora a cuidar dos filhos
Seu olhar de tigresa protegia a cria
Parecia esperar por alguém
Volta e meia dava um tapa em uma das crianças
Vi o encanto do rapaz cabelos ao vento
Um jeito andrógeno bonito de se ver
Seus olhos brilhavam no futuro
Suas pernas trançavam amortecidas pra casa
Vi minha mão tremendo devagarinho
Meu peito arrepiado ao ouvir o tamborim
Vi no meu rosto o tempo que passou
E no peito todo amor que ele me deixou
Vi homens, mulheres, moços, e velhos
Sorrisos, lágrimas, a esperança, e a lida
Meu peito quer gritar
Meus olhos às vezes só fazem piscar
Eduardo Costa, 15 de março de 2018
(Circular Bebedouro->RP)
Fonte imagem: http://metodoselfhealing.blogspot.com.br/2012/10/tecnicas-para-piscar-mais-e-melhor.html
Monday, January 23, 2017
Vento Tempo
Vento Tempo
O tempo trouxe um vento
que varreu com alento
seus vicios desatentos
todos pra longe de mim
Hoje guardo com doçura
saudosismo e ternura
a sua figura mais pura
bem viva dentro de mim
(Figura fonte: https://secure.static.tumblr.com/f47db921d5f9b6969f098031cca7ebc1/bpjoubi/vhen9u9oi/tumblr_static_dente-de-leao-1280x7681.jpg)
Saturday, December 31, 2016
A natureza das coisas
A Natureza das Coisas
Você já parou para pensar na natureza das coisas?
Na natureza de nosso mundo?
Dos nossos pequenos truques, vicios, cenários, e roteiros?
Os que geralmente pensam sobre essas coisas são chamados de lunáticos
Outros, ditos sensíveis demais, são relegados à melancolia
Alguns transformam o universo em versos e rimas
Há também os que bebem o mundo até o último gole
E os que piedosamente envolvem a realidade com rezas e cantos
Mas você já parou para pensar na natureza das coisas?
Tome cuidado, no entanto
Não faça alarde
São modelos defeituosos que o fazem
Você já parou para pensar na natureza do seu mundo?
Cada um de nós tem a sua narrativa
Personagem central,
aventurado ou não,
com roteiro, história, cartas marcadas,
e um tanto de improviso
Quanto maior a arrogância,
maior a sensação do improviso
E não há nada mais suculento que o improviso
O roteiro nos empodera
Os demais personagens nos encorajam
A segurança do script acoberta nossos medos,
os mais profundos,
nos faz míopes, distraídos, altivos
com tudo que desarmoniza com a nossa verdade adquirida
Mas você já parou para pensar na natureza dessas coisas?
Somos mais dependentes um dos outros do que gostaríamos
Nossa força, segurança, auto-estima, independência
têm mais alicerces em circustancias,
do que ousamos imaginar
Ontem me peguei temperando a minha sopa com um pouco de insegurança
e pitadas de necessidade de aceitação
São desses temperos que usamos sem pensar
Mas no meu caso, com tudo que aprendi,
pensei ter tais potes na última pratelereira da dispensa
Quem ousou colocá-los bem em cima do meu fogão?
Eu que sempre tive a resposta na ponta da língua
Me faltaram as palavras quando levaram todas as minhas roupas
Eu que sempre cuidei de cada flor
Me joguei ardentemente sobre os girassóis
No meu gozo de amor
Eu que sigo muita a minha opnião
Li e reli o meu discurso
Para saber como minhas palavras seriam recebidas
Onde é seu lugar comum? Você já parou pra pensar quem você realmente é?
Pensamentos são gratuitos
A maior parte deles vãos
Nem tudo importa
E a chave do jogo provavelmente não o tirará desta prisão
Mas é a esperança para escolhas
mais coerentes com a canção que você pretende dançar
Você ja parou para pensar?
Friday, July 15, 2016
O pedestre colonizado
O pedestre foi colonizado.
A constatação é triste mas o pedestre foi colonizado.
Vou chegando com minha bicicleta e parando para que o pedestre atravesse já que tem um pare enorme escrito no chão na minha frente.
Faço contato visual com o pedestre para lhe dar garantias que o vi
O pedestre fica imóvel como alguém que foi domesticado
É então que paro a bicicleta e dou sinal para que ele atravesse
Ele olha agradecido e me dá um sorriso colonizado
Como se eu estivesse fazendo um favor ou agrado
Me dá tristeza
Sou também pedestre num trânsito colonizador
Sou ciclista num trânsito colonizador
Sunday, July 10, 2016
Na dúvida...
Eu sou levemente inclinado à esquerda. Hoje em dia isso é problema.
Queria eu mesmo ser todo de esquerda. Tamanho desprendimento já não tenho.
E meu caviar também não deixa.
O meu ouvido enviesa para esquerda, e nem dá pra negar
Ele tem bastante opinião
É dono da razão
Vai ouvindo, ponderando, esquerdalizando
E aquele rolezinho? Respeito com a molecada
E as ciclovias de São Paulo? Devia ser tudo ciclovia
É viado, quer ser mulher? Educação de gênero nas escolas
Defesa da familia? A minha, a sua, e a de todo mundo
Pivete na cadeia? Eu acredito na educação
A USP mais preta? É reparo histórico minha gente
Vamos ensinar a pescar? É claro, mas hoje a gente ainda tem que comer
Cambada de vagabundo fazendo greve? É luta, mesmo com o perigo do camburão
E na dúvida? Esquerda, meu amigo
Vai na fé, meu irmão
A política dá tristeza, a esquerda da política também
Mas os companheiros dão alegria
São da luta e da revolução
de mentes, coração
e do prato do João
O gosto amargo da política não vai me amargar
Tem gente que me dá a mão
tem gente que brilha os meus olhos
A política é amarga,
A companhia da jornada é doce
Doce como a emoção da Sabatella
Doce igual a poesia do Chico Buarque
Doce como a militância da Leandra Leal
Doce igual a esperança da Marieta Severo
Doce como o desabafo do Wagner Moura
Sossego de ver que há resistência
Sossego de ver que existe pensamento crítico
Esperança de que a luta jamais acabe
Ribeirão Preto, 11 de abril de 2016
Naquela noite
Meus olhos estavam tão
pesados quando ouvi seus passos entrarem no salão. De maneira solene
ela caminhou pelo corredor principal com os olhos fixos no caixão.
Já havia muito tempo que não a víamos, mas não havia como
confundi-la. Seus longos cabelos escorriam pelo seu ombro direito, e
seus punhos balançavam cerrados como se com eles ela pudesse
aniquilar toda a injustiça do mundo em um só golpe. Por um segundo
eu pude sentir a respiração de todos nossos amigos pausarem, em um
misto de espanto e alívio. Desde que a levaram inúmeros boatos
haviam se espalhado sobre o seu paradeiro. Nunca tínhamos deixado de
procurá-la, mas todos sabíamos do destino comum dos desaparecidos.
Era como se as autoridades rissem por massacrarmos, um a um, com a incerteza do
triste fim e a promessa que seríamos os próximos. A cada dia nos
sentíamos mais impotentes. Mais vazios com a ausência daqueles que
nos tomavam.
De maneira irônica, era naquela noite de tristeza que a história nos afagava pela primeira vez em anos. Quanto
mais ela se aproximava mais meu coração se aquecia. Não havia como
não notar que seus passos eram de um corpo quebrado. Mas seus olhos
nunca me pareceram tão fortes.
Subscribe to:
Posts (Atom)