Meus olhos estavam tão
pesados quando ouvi seus passos entrarem no salão. De maneira solene
ela caminhou pelo corredor principal com os olhos fixos no caixão.
Já havia muito tempo que não a víamos, mas não havia como
confundi-la. Seus longos cabelos escorriam pelo seu ombro direito, e
seus punhos balançavam cerrados como se com eles ela pudesse
aniquilar toda a injustiça do mundo em um só golpe. Por um segundo
eu pude sentir a respiração de todos nossos amigos pausarem, em um
misto de espanto e alívio. Desde que a levaram inúmeros boatos
haviam se espalhado sobre o seu paradeiro. Nunca tínhamos deixado de
procurá-la, mas todos sabíamos do destino comum dos desaparecidos.
Era como se as autoridades rissem por massacrarmos, um a um, com a incerteza do
triste fim e a promessa que seríamos os próximos. A cada dia nos
sentíamos mais impotentes. Mais vazios com a ausência daqueles que
nos tomavam.
De maneira irônica, era naquela noite de tristeza que a história nos afagava pela primeira vez em anos. Quanto
mais ela se aproximava mais meu coração se aquecia. Não havia como
não notar que seus passos eram de um corpo quebrado. Mas seus olhos
nunca me pareceram tão fortes.
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