Sunday, July 10, 2016

Naquela noite


Meus olhos estavam tão pesados quando ouvi seus passos entrarem no salão. De maneira solene ela caminhou pelo corredor principal com os olhos fixos no caixão. Já havia muito tempo que não a víamos, mas não havia como confundi-la. Seus longos cabelos escorriam pelo seu ombro direito, e seus punhos balançavam cerrados como se com eles ela pudesse aniquilar toda a injustiça do mundo em um só golpe. Por um segundo eu pude sentir a respiração de todos nossos amigos pausarem, em um misto de espanto e alívio. Desde que a levaram inúmeros boatos haviam se espalhado sobre o seu paradeiro. Nunca tínhamos deixado de procurá-la, mas todos sabíamos do destino comum dos desaparecidos. Era como se as autoridades rissem por massacrarmos, um a um, com a incerteza do triste fim e a promessa que seríamos os próximos. A cada dia nos sentíamos mais impotentes. Mais vazios com a ausência daqueles que nos tomavam.


De maneira irônica, era naquela noite de tristeza que a história nos afagava pela primeira vez em anos. Quanto mais ela se aproximava mais meu coração se aquecia. Não havia como não notar que seus passos eram de um corpo quebrado. Mas seus olhos nunca me pareceram tão fortes.


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