Saturday, December 31, 2016

A natureza das coisas

A Natureza das Coisas



Você já parou para pensar na natureza das coisas?
Na natureza de nosso mundo?
Dos nossos pequenos truques, vicios, cenários, e roteiros?

Os que geralmente pensam sobre essas coisas são chamados de lunáticos
Outros, ditos sensíveis demais, são relegados à melancolia
Alguns transformam o universo em versos e rimas
Há também os que bebem o mundo até o último gole
E os que piedosamente envolvem a realidade com rezas e cantos

Mas você já parou para pensar na natureza das coisas?

Tome cuidado, no entanto
Não faça alarde
São modelos defeituosos que o fazem

Você já parou para pensar na natureza do seu mundo?

Cada um de nós tem a sua narrativa
Personagem central,
aventurado ou não,
com roteiro, história, cartas marcadas,
e um tanto de improviso

Quanto maior a arrogância,
maior a sensação do improviso
E não há nada mais suculento que o improviso

O roteiro nos empodera
Os demais personagens nos encorajam
A segurança do script acoberta nossos medos,
os mais profundos,
nos faz míopes, distraídos, altivos
com tudo que desarmoniza com a nossa verdade adquirida

Mas você já parou para pensar na natureza dessas coisas?

Somos mais dependentes um dos outros do que gostaríamos
Nossa força, segurança, auto-estima, independência
têm mais alicerces em circustancias,
do que ousamos imaginar

Ontem me peguei temperando a minha sopa com um pouco de insegurança
e pitadas de necessidade de aceitação
São desses temperos que usamos sem pensar
Mas no meu caso, com tudo que aprendi,
pensei ter tais potes na última pratelereira da dispensa

Quem ousou colocá-los bem em cima do meu fogão?

Eu que sempre tive a resposta na ponta da língua
Me faltaram as palavras quando levaram todas as minhas roupas

Eu que sempre cuidei de cada flor
Me joguei ardentemente sobre os girassóis
No meu gozo de amor

Eu que sigo muita a minha opnião
Li e reli o meu discurso
Para saber como minhas palavras seriam recebidas

Onde é seu lugar comum? Você já parou pra pensar quem você realmente é?

Pensamentos são gratuitos
A maior parte deles vãos

Nem tudo importa

E a chave do jogo provavelmente não o tirará desta prisão

Mas é a esperança para escolhas
mais coerentes com a canção que você pretende dançar

Você ja parou para pensar?

Friday, July 15, 2016

O pedestre colonizado


O pedestre foi colonizado.
A constatação é triste mas o pedestre foi colonizado. 
Vou chegando com minha bicicleta e parando para que o pedestre atravesse já que tem um pare enorme escrito no chão na minha frente. 
Faço contato visual com o pedestre para lhe dar garantias que o vi
O pedestre fica imóvel como alguém que foi domesticado 
É então que paro a bicicleta e dou sinal para que ele atravesse
Ele olha agradecido e me dá um sorriso colonizado
Como se eu estivesse fazendo um favor ou agrado
Me dá tristeza
Sou também pedestre num trânsito colonizador
Sou ciclista num trânsito colonizador




Sunday, July 10, 2016

Na dúvida...





Eu sou levemente inclinado à esquerda. Hoje em dia isso é problema.
Queria eu mesmo ser todo de esquerda. Tamanho desprendimento já não tenho.
E meu caviar também não deixa.

O meu ouvido enviesa para esquerda, e nem dá pra negar
Ele tem bastante opinião
É dono da razão

Vai ouvindo, ponderando, esquerdalizando
E aquele rolezinho? Respeito com a molecada
E as ciclovias de São Paulo? Devia ser tudo ciclovia
É viado, quer ser mulher? Educação de gênero nas escolas
Defesa da familia? A minha, a sua, e a de todo mundo 
Pivete na cadeia? Eu acredito na educação
A USP mais preta? É reparo histórico minha gente
Vamos ensinar a pescar? É claro, mas hoje a gente ainda tem que comer
Cambada de vagabundo fazendo greve? É luta, mesmo com o perigo do camburão

E na dúvida? Esquerda, meu amigo
Vai na fé, meu irmão

A política dá tristeza, a esquerda da política também
Mas os companheiros dão alegria
São da luta e da revolução
de mentes, coração
e do prato do João

O gosto amargo da política não vai me amargar
Tem gente que me dá a mão
tem gente que brilha os meus olhos

A política é amarga, 
A companhia da jornada é doce

Doce como a emoção da Sabatella 
Doce igual a poesia do Chico Buarque
Doce como a militância da Leandra Leal
Doce igual a esperança da Marieta Severo
Doce como o desabafo do Wagner Moura

Sossego de ver que há resistência
Sossego de ver que existe pensamento crítico

Esperança de que a luta jamais acabe


Ribeirão Preto, 11 de abril de 2016

Naquela noite


Meus olhos estavam tão pesados quando ouvi seus passos entrarem no salão. De maneira solene ela caminhou pelo corredor principal com os olhos fixos no caixão. Já havia muito tempo que não a víamos, mas não havia como confundi-la. Seus longos cabelos escorriam pelo seu ombro direito, e seus punhos balançavam cerrados como se com eles ela pudesse aniquilar toda a injustiça do mundo em um só golpe. Por um segundo eu pude sentir a respiração de todos nossos amigos pausarem, em um misto de espanto e alívio. Desde que a levaram inúmeros boatos haviam se espalhado sobre o seu paradeiro. Nunca tínhamos deixado de procurá-la, mas todos sabíamos do destino comum dos desaparecidos. Era como se as autoridades rissem por massacrarmos, um a um, com a incerteza do triste fim e a promessa que seríamos os próximos. A cada dia nos sentíamos mais impotentes. Mais vazios com a ausência daqueles que nos tomavam.


De maneira irônica, era naquela noite de tristeza que a história nos afagava pela primeira vez em anos. Quanto mais ela se aproximava mais meu coração se aquecia. Não havia como não notar que seus passos eram de um corpo quebrado. Mas seus olhos nunca me pareceram tão fortes.


Tuesday, January 12, 2016

Minha prece pro amor


THE DANISH GIRL

"The core of the story is a remarkable and unique love story [between Einar/Lili and wife Gerda]. We learn that love isn’t identified by gender or even sexuality necessarily, its about the soul.Eddie Redmayne




***

Minha prece de amor
É pro amor que tenho dentro de mim
Pro amor que alcança o outro
Pro amor que por vezes chega pouco

Minha prece de amor
É pro amor da plenitude
Pro amor que enxerga o outro
Pro amor além de mim

No domingo eu vi um amor 
Um amor que não era para chamar de seu
 Um amor que dava a luz ao outro
Que o outro sozinho não conseguia ser

Minha prece é para aquele amor
O amor pelo outro que é não por mim
 O amor por mim que é não é pelo outro
O amor que liberta o outro e a mim

Minha prece é pra ter amor
Pra amar o outro sem as condições do mim
Pra regar a preciosidade do outro
Mesmo que se cresça pra lá do meu jardim 


***

"I love you because you're the only person who made sense of me, who made me possible," (Lili/Einar)