Saturday, September 19, 2015

Fabrício

Fabrício




Eu lembro que a primeira vez que eu vi o Fabrício ele estava de boné e sentou do meu lado e puxou assunto da maneira mais rotineira possível. A ONG que eu tinha acabado de me juntar estava organizando um churrasco e ele gostaria de saber se eu queria ir. Eu estava conhecendo tantas pessoas novas naquela semana que confesso que nem notei o Fabrício. Não senti tremelique, nem frenesi,  e não vi nenhum colibri. Foi só uma apresentação casual da maneira mais casual possível.

Eu não fui no churrasco. Estava de mudança ainda e tinha muitas coisas para fazer.

Da segunda vez que vi o Fabrício, ele se sentiu até ofendido quando eu me apresentei novamente achando que aquela era a primeira vez que a gente se via, já que ele estava sem boné. Erro bem grosseiro para mim, "o Senhor Eu Sou Bom Fisionomista". Mas quando tenho que assimilar muitas informações novas eu perco meus poderes mágicos.

O Fabrício todo prestativo usou sua influência na ONG para acelerar alguns tramites administrativos que eu estava esperando.

Mas foi só depois que os olhos dele se encontrarem com os meus que eu suspeitei que alguma coisa poderia estar por trás de tanta gentileza. Suspeita essa que se tornou mais forte quando ele me convidou para jantar naquela semana. E, em seguida, menos forte, quando ele convidou outras pessoas para irem junto. E no dia do jantar, novamente forte, quando ele resolveu me levar para casa de carro por último, sendo que eu é que morava mais perto. E ainda mais forte quando ele resolveu me mostrar as luzes de natal ao invés de me levar pra casa. E quase já não havia mais dúvida quando ele me convidou para conhecer o seu apartamento.

A noite passou por uma longa conversa, em que eu tive alguma idéia de toda a complexidade do Fabrício, da sua dificuldade em lidar com os seus desejos e sexualidade, e da vontade de viver novas experiências mesmo assim. "Cilada, Bino". E terminou comigo nos braços do Fabrício numa experiência tão doce de mútua entrega, mesmo que efêmera. Ato desses que nos eleva a crença no ser humano, apesar de toda a sua complexidade. 

De manhã o Fabrício se despediu friamente de mim depois de me deixar em casa. 

O nosso segundo e último encontro foi marcado por um completa oscilação entre a doçura e a grosseria da confusão do Fabrício. Por um lado ele parecia transcender todos os seus limites e medos para se tornar o mais gentil dos rapazes, dizia querer cuidar de mim, me perguntava como ele mais poderia me agradar e me satisfazer. Por outro lado fazia comentários, sem tato algum, sobre como ele estava planejando arrumar uma namorada, como ele se incomodava como o "nosso problema", como ninguém poderia nem suspeitar do que estava acontecendo, como ele premeditadamente iria me tratar com frieza durante as atividades da ONG.   

O fim dos encontros nem foi por excesso de juízo meu, mas por acaso do destino mesmo. Era fim de ano e o Fabrício viajou de férias para a casa dos pais, onde passou 2 meses e onde voluntariamente decidiu evitar qualquer forma de comunicação. Quando ele voltou tudo havia mudado. Ele aparentemente estava mais convicto em lutar contra o seu dito problema. Eu estava vivendo um novo affair, que no final virou mais que isso. Mas isso já é uma outra história.

Ás vezes tenho vontade de contar pro Fabrício o quão doce ele consegue ser quando ele se permite. Acredito que ele não sabe.  Ou não quer saber.

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