Sunday, March 23, 2008

Mas, ressurgiu....




"[Lúcia e Susana] foram as extremo da colina e olharam para baixo. A grande estrela solitária desaparecera. Toda a paisagem da terra tinha um ar cinzento-escuro; mas, para além, muito longe, lá no fim do mundo, o mar brilhava, pálido. Havia tons róseos no céu. Andaram para lá e para cá, inúmeras vezes, do corpo morto de Aslam ao sopé da colina. Em certo momento, ficaram imóveis a olhar para o mar e para o castelo de Cair Paravel, que só agora começaram a distinguir. E enquanto ali estavam, no lugar em que a terra se acaba e o mar começa, o vermelho tornou-se dourado, e o Sol começou a surgir devagarinho. Foi quando ouviram um grande barulho, um barulho ensurdecedor de uma coisa que estala, como se um gigante acabasse de quebrar um prato gigantesco.

- Que barulho foi esse? – disse Lúcia, agarrando-se ao braço de Susana.
- Não sei. Estou com medo... estou com medo de olhar...
- Devem ter voltado... Vamos olhar! – E Lúcia virou-se, obrigando Susana a fazer o mesmo.
O sol dera a tudo uma aparência tão diferente, alterando de tal maneira as cores e as sombras, que por um momento não repararam na coisa de fato importante. Até que viram. A Mesa de Pedra estava partida em duas por uma grande fenda, que ia de lado a lado. E de Aslam, nem sombra.
- Oh! Oh! Oh! – gritaram as meninas, correndo para a mesa.
- Isso é demais! Podiam ao menos ter deixado o corpo em paz.
- Mas que coisa é essa? Ainda será magia?
- Magia, sim! – disse uma voz forte, pertinho delas. – Ainda é magia.
Olharam. Iluminado pelo Sol nascente, maior do que antes, Aslam sacudia a juba (pelo visto, tinha voltado a crescer).
- Aslam! Aslam! – exclamaram as meninas, espantadas, a olhar para ele, ao mesmo tempo assustadas e felizes.
- Você não está morto?
- Agora, não."

(C.S.Lewis -Trecho de "O leão, a feiticeira e o guarda-roupa" - "As Crônicas de Narnia" - Martins Fontes)



Aproveitando a bela alegoria da ressurreição de Cristo feita por C.S.Lewis, por meio do leão Aslam, aproveito para desejar a todos uma Feliz Páscoa. Utilizando as palavras de Jesus, ao aparecer as seus discípulos após a ressurreição (Evangelho de João, capítulo 20, versículo 9 - Bíblia):

"Paz seja com vocês!"



Vilarejo, 23 de março de 2008


Thursday, March 20, 2008

Onde estão os bandidos?

Sob a ótica e desafio do extrapolamento


Renato Russo e sua legião registraram na música “Quase sem querer” a seguinte frase “Já não sou mais tão criança... a ponto de saber tudo”. Fico a pensar sobre coisas que mudaram em meu interior por não ser mais tão criança e outras que também mudaram pelo simples fato de conservar a criança no meu interior. Trazendo a mente algumas coisas que tenho refletido no último ano, posso dizer “Já não sou mais tão criança.... a ponto de buscar vilões a minha volta”, ou melhor “Tento a cada dia não ser tão criança... a ponto de buscar vilões a minha volta”.

Lembro-me da primeira vez que me deparei com uma dinâmica diferente da conhecida guerra entre o bem e o mal dos desenhos animados e das histórias de super-heróis. Quando criança, fui até a casa de um amigo uns dois anos mais velho que eu. Como ele estava assistindo a um filme de guerra, logo perguntei “Quem é o do mal?”. Se eu iria assistir a um filme de guerra, era primordial saber quem era do bem e quem era do mal. Afinal para quem eu iria torcer? Por isso, naquela época, não fiquei muito satisfeito com a resposta de meu amigo de que não existia essa coisa de “do bem ou do mal” numa guerra. Embora naquele filme, como comumente ocorre nas produções cinematográficas, o bem e o mal estivessem bem destacados e delineados.

Embora distinguir o mundo entre coisas “do bem ou do mal” pareça coisa de criança, isso é bem comum no nosso mundo dito adulto e maduro. Essa vontade rotular as coisas entre bem e mal perpassa nossos sentimentos, principalmente quando há uma tensão envolvida. Afinal, alguém precisa ser o responsável, não é?!?

Talvez um bom exercício para verificar nosso olhar imparcial sobre os fatos é assistir aos filmes “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”, que retratam de perspectivas diferentes o ataque americano à ilha de Iwo Jima, durante a Segunda Guerra Mundial. Enquanto assistia ao filme “A Conquista da Honra”, literalmente torcia pela vitória do americanos e para que os personagens do filme se mantivessem a salvo. Em seguida, no outro filme, torcia pela resistência dos japoneses com o mesmo afinco ou mais do que eu tinha torcido pelos americanos no filme anterior. Os dois filmes simplesmente me fizeram me posicionar de formas diferentes a respeito de uma mesma guerra. Isso é facilmente compreensível quando levamos em conta de que, durante cada um dos filmes, nos afeiçoamos aos personagens e eles extrapolam aos rótulos de suas nacionalidades. Dessa forma, esse sentimento e simpatia para com os personagens nos fazem torcer por eles.

Talvez esse seja nosso grande desafio no mundo real. Extrapolar os preconceitos, os rótulos e as pressuposições sobrepostas sobre cada pessoa, e descobrir o valor inerente de cada um. Logicamente não nos daremos bem com todo mundo e teremos simpatia por todos os que nos rodeiam, mas ao menos deveremos estar sensíveis ao choro que se esconde por detrás de uma atitude aparentemente dura, o medo por detrás da mentira, o desencanto e descontentamento por detrás da frieza implacável. Afinal, não vivemos em um mundo de mocinhos e vilões.

Mais do que a dinâmica de dois países em guerra ou da relação entre carrasco e explorado, tensões do tipo “quem está com a razão X quem não está” permeiam nossos relacionamentos, sejam eles familiares, amorosos, profissionais, religiosos, etc. Dessa forma, o “desafio do extrapolamento” é muito maior e muito mais profundo. Não sejamos ingênuos em ignorar os dois lados da história. Ou melhor, como aprendi com uma amiga jornalista nesse final de semana, não existem apenas dois lados da história. Toda história tem múltiplos lados. Assim, termino esse POST com o poema “Rejeição” de Carlos Drummond de Andrade, que questiona um pouco essa questão de se posicionar apenas sob a perspectiva de um lado da história.


Rejeição

Não sei o que tem meu primo
que não me olha de frente.
Se passo por sua porta,
é como se não me visse:
parece que está na Espanha
e eu, velhamente, em Minas.
Até me virando a cara,
a cara é de zombaria.
Se ele pensa que é mais forte
e que pode me bater,
diga logo, vamos ver
o que a tapa se resolve.
A gente briga no beco,
longe dos pais e dos tios,
mas briga de decidir
essa implicância calada.
Qual dos dois, mais importante:
o ramo dele, o meu ramo?
O pai mais rico, quem tem?
Qual o mais inteligente,
eu ou ele, lá na escola?
Namorada mais jeitosa,
é a minha ou é a dele?
Tudo isso liquidaremos
a pescoção, calçapé,
um dia desses, na certa.
Sem motivo, sem aviso,
meu primo declara guerra,
essa guerrinha escondida,
de mim, mais ninguém, sabida.
Pode pois uma família
ser assim tão complicada
que nós dois nos detestamos
por sermos do mesmo sangue?
Nossas paredes internas
são forradas de aversão?
Será que o que eu penso dele
ele é que pensa de mim
e me olha atravessado
porque vê na minha cara
o vinco de zombaria
e um sentimento de força,
vontade de bater nele?
Meu Deus, serei o meu primo,
e a mesma coisa sentimos
como se a sentisse o outro?
(Carlos Drummond de Andrade)

Tuesday, March 11, 2008

Por meio dos

I
N
C
O
N
V
E
N
I
E
N
T
E
S

da vida.....


A vida não pára quando temos coisas importantes para fazer. Somos vezes ou outra surpreendidos por perguntas que não queríamos ouvir, por questionamentos que preferiríamos não ter, por sentimentos inquietantes, pelo medo do novo, pelos velhos hábitos e defeitos. Coisas para as quais parece não haver hora conveniente. Por isso mesmo talvez as tratemos por inconvenientes.


São Carlos - 11 de março de 2008