20 de setembro de 2010,
em uma manhã ensolarada.
Depois de uma semana cansativa tentando remar contra a maré, a música "Outras Freqüências - Engenheiros do Hawai" caiu como uma luva no final do semestre passado e fez todo o sentido. Embora seguir o caminho mais fácil seja realmente bem mais cômodo, sabemos que não é bem assim.
Moça bonita,
quando recebi a sua encomenda,
antes de desembrulhá-la
I said a little pray for you!
Quando eu abri a caixa
e vi sua mensagem,
eu fiquei tão feliz que
I said a little pray for you!
Quando vi meu presente
que me lembrou o quanto sou previlegiado
por ter uma amiga como você
I said a little pray for you!
Quando eu deixei o correio
eu sonhi para uma velhinha,
e enquanto ela sorria de volta
I said a little pray for you!
Enquanto eu pedalava para o meu trabalho
encantado pelas folhas das árvores ainda verdes
e desfrutando do sol queimando na minha pele
I said a little pray for you!
E agora, mesmo sem o embrulho do presente,
a velhinha sorridente,
as folhas nas árvores e o sol na minha pele,
Cada dia e todo dia
I say a little pray for you!
Queridos...
Essa semana os pássaros começaram a cantar de forma mais animada e entusiasmada. E a melodia ecoada pelos ares ainda gelados aqui em Leuven nos lembraram que a primavera está a caminho. Depois de um longo inverno, com muita neve e dias bem frios (vejam a foto abaixo), é incrível perceber como todo mundo já fica um pouco mais feliz e animado com o anúncio de dias mais quentes, longos e ensolarados. É como se pudéssemos sentir mais vida circulando pelo nosso corpo, a medida que percebemos a vida renascendo ao nosso redor. E seguindo o ritmo da vida, que vai se acelerando por aqui, levantei hoje bem disposto e animado para repartir um pouco dos meus dias com vocês e do que tenho aprendido com eles.
Foto 1. Essa foto foi tirada no dia 27 de janeiro, em Leuven, perto do prédio onde eu moro. Nessa manhã de sábado fomos surpreendidos pela neve que veio inesperada no final da noite, enquanto ainda dormíamos. As árvores de Arenberg, vizinhança onde moro, puderam mais uma vez vestir suas roupas brancas de gala.
O ano passado terminou de maneira muito especial para mim. Depois de mais uma longa temporada aqui na Bélgica, foi extremamente precisoso voltar ao Brasil para um período de quase seis semanas de férias. Foi muito bom estar de volta ao aconchego da minha casa em Jacutinga, encontrar amigos, e desfrutar da nossa comida e da nossa, igualmente saborosa, cultura brasileira. Foram tantos momentos especiais nesses dias de férias, que é difícil expressá-los em palavras. Mas se eu tivesse que resumir em uma palavra a importância desses dias, eu diria sem hesitação: “família”. Momentos como o casamento da minha irmã, a viagem para a praia com minha mãe e tios, os dias descontráidos e informais em nossa casa em Jacutinga (vez ou outra enfeitados e decorados com visitas de amigos), as comemorações do natal e ano novo, encheram meu coração de alegria e gratidão. Foi um tempo de celebrar laços, de cuidar e ser cuidado.
O último dia de 2009 também foi muito especial para mim. Foi a realização de algo pelo qual eu estava esperando o ano todo: correr na São Silvestre. É mesmo incrível poder fazer parte dessa festa do atletismo brasileiro, e já estou me preparando para correr novamente no final desse ano; e dessa vez, espero que alguns de vocês possam se juntar a mim. Assim que voltei para cá, em janeiro, eu comecei a treinar para as corridas desse ano. No começo os treinos foram um pouco atrapalhados pela neve que permaneceu por algumas semanas por aqui, mas agora, com dias um pouco mais quentes, os treinos estão mais agradáveis. Minha próxima corrida vai ser as 10 milhas de Antwerpia, no final de abril. :-)
Outro desafio que tive logo que voltei para cá foram as minhas provas de holandês. Depois de ter passado 6 semanas sem falar holandês e de ter perdido algumas semanas de aula em dezembro, eu cheguei na Bélgica já me conformado com a idéia de que eu seria reprovado no curso. Mas, graças a Deus, e para minha grande surpresa, a prova não foi tão difícil quanto eu estava esperando e eu fui aprovado para o próximo nível. Aprender a língua local tem sido um grande esforço para mim, e também um grande aprendizado de paciência. No começo foi difícil lidar com a frustração de que eu não conseguiria aprender holandês da noite para o dia; cheguei até mesmo a chorar um dia de tanta frustração. Mas, graças a Deus, e a grande paciência dos meus amigos belgas por aqui, o meu aprendizado de holandês tem seguido num ritmo bem legal. Essa semana mesmo dei o meu primeiro estudo bíblico em holandês no Ichtus (como a Aliança Bíblica Universitária – ABU – daqui é chamada). Devo confessar que isso foi um desafio para mim. Mas, mesmo com alguns tropeços na língua, o estudo foi bem interessante.
Outra coisa bem legal que aconteceu na semana passada aqui foi uma festa que eu e mais alguns amigos da igreja onde frequento organizamos. Foi uma festa brasileira/chinesa. Isso mesmo, Brasil e China juntos. A idéia foi fazer uma festa que apresentasse um pouco dos dois países: comida, música, arte, dança, etc. E não é que o pessoal gostou da idéia!?! Tivemos por volta de 100 pessoas na nossa festa. Foi um longo período de trabalho para preparar tudo, mas ficamos muito felizes com o resultado. O objetivo de festas como essa é trazer para o mesmo local pessoas de diferentes nacionalidades e promover a criação de laços de amizades entre pessoas da comunidade internacional de Leuven.
Com relação aos meus estudos, tudo tem caminhado relativamente bem. Continuo me esforçando para manter o foco no doutorado e de me manter disciplinado, o que tem funcionado em boa parte; não totalmente, mas vamos com calma que um dia eu chego lá. Meu projeto de doutorado está progredindo e estou seguindo duas disciplinas para aperfeiçoamento de ingês acadêmico, o que ainda permanece um desafio para mim; mas continuo me esforçando. :-) Tenho desfrutado de uma experiência bem interessante de estágio de docência. Uma vez por semana tenho que dar uma aula de exercícios para uma turma de 30 alunos. Como vários fatores são combinados – conceitos nem sempre triviais de serem explicados e entendidos, o fato da aula ser em inglês, e o número de alunos na sala, faz com que eu acabe a aula de 2 horas e meia completamente exausto e esgotado. Mas o aprendizado tem sido muito grande e cada vez mais estou certo de que eu quero mesmo ser professor.
No mais tudo tem caminhado bem. Deixo com vocês algumas outras notícias de forma resumida: completei 26 anos em fevereiro, e sinto que logo logo meus cabelos brancos estarão mais visíveis :-); caí duas vezes nesse inverno por causa da neve: uma vez correndo e uma vez de bicileta – nas duas vezes o tombo foi mais engraçado que dolorido; chegou uma nova brasileira na igreja onde eu frequento, o nome dele é Suzana – ela ajudou bastante na festa brasileira/chinesa; ainda a respeito da festa: com o meu exagero mineiro consegui fazer com que os gatos com os ingredientes para a comida brasileira fossem duas vezes mais caro que os gatos com a comida chinesa; continuo, para minha grande tristeza, colecionando casamentos perdidos no Brasil – só neste ano já foram dois: Esther e Peterson, Flavia e Matuska – e outros vem por aí; ganhei um livro de tirinhas do Hagar de presente de aniversário; descobri (nas minhas férias no Brasil) que atums são peixes enormes (até dois meses atrás eu tinha certeza que atums eram do mesmo tamanho das sardinhas); assisti Avatar no cinema ontem a noite, e gostei; estou bem impressionado com os dois grandes terremotos nas américas; continuo, como um vício recentemente adquirido, acompanhando o que se passa na política brasileira; descobri uma livraria bem aconchegante em Leuven; ajudei a Sara, uma amiga sueca da igreja, com a pronúncia do português para a apresentação da música Aquarela na festa brasileira (vejam o video http://www.youtube.com/watch?v=djroxk5GnvU); descobri, por ocasião da festa brasileira, que feijão tropeiro não é a mesma coisa que tutú de feijão.
Termino minha carta com uma frase que ouvi de uma grande amiga quando estava no Brasil: “Essa vida é um mistério”. Quando mais eu vivo, quanto mais pessoas eu conheço, cada história que eu ouço ou vejo, só faz com que o número de perguntas que eu tenha sobre a vida aumente em proporção ao número de respostas e explicações racionais que eu tenho. Cada vez mais me rendo a explicação de que a vida é um mistério maior do que podemos entender, e que no final das contas o mais interessante que podemos fazer é aprender a admirar e respeitar seu mistério e sua imprevisibilidade.
Com muita saudade e carinho,
Du
(Leuven, 06 de março de 2010)